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A boa parte do isolamento

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Não somente os presidiários vivem presos. Muitas vezes vivemos em situação de prisão por conta de guerras, pandemias, perseguição, luto e, a mais comum, doenças ou precaução contra elas. Algumas pessoas escolhem, deliberadamente, uma vida de reclusão. Na fazenda, ficávamos isolados porque uma ponte caía; aqui na cidade, ficamos em home office por conta de um vírus. Filósofos argumentam que a vocação da alma é viver presa ao corpo.

Há um lado negativo do isolamento. Precisamos, entretanto, perceber o seu valor. O próprio descanso é, muitas vezes, uma experiência de isolamento, como o sono, a folga, o sabático. O isolamento é indispensável para o desabrochar da vida, como o silêncio o é para a música. Não é de se estranhar, portanto, que muitos rituais de iniciação incluam situações de isolamento.

Situações de prisão fazem parte da história humana, desde Adão, que se escondeu de Deus, e Caim, que foi expulso do convívio familiar. Jacó encontrou-se com Deus quando fugia do irmão; José, antes de se tornar o governador do Egito, estava ora numa cisterna, ora numa cadeia; Moisés passou 40 anos no deserto para, então, ver a sarça ardente; Elias foi encontrado por Deus numa caverna; Davi vivia fugindo dos irmãos ou de Saul, antes de se tornar o rei “segundo o coração de Deus”; e por aí vai. Jesus Cristo, ainda criança, teve que aprender a fugir e, quando adulto, regularmente escolhia a reclusão para orar. Não foi diferente com os primeiros cristãos. João, por exemplo, viveu exilado na Ilha de Patmos, e escreveu o Apocalipse. 

O apóstolo Paulo, uma vez convertido, teve a vida transformada, de alguém que encarcerava as pessoas para alguém que passou a maior parte da vida em situação de prisão, muitas vezes, literalmente. Além de doenças intermináveis, assumiu sua jornada de missionário, que, por si, é uma vocação de alguma reclusão.  Nos primeiros três anos, ficou na Arábia (Gálatas 1.17). Foi preso em Filipos, em Éfeso, em Jerusalém e, finalmente, em Roma, onde terminou a vida em prisão domiciliar. 

Dietrich Bonhoeffer, um pastor alemão que morreu na cadeia dos nazistas por conta de suas pregações, testemunhou: “No mais, leio e escrevo tanto quanto me é possível, e me conto por satisfeito de não ter sentido neste período de mais de 5 meses um só momento de tédio. O tempo sempre está preenchido, apesar de haver no fundo, desde a manhã até a noite, a espera” (Resistência e Submissão, Sinodal, p. 57). Bonhoeffer ficava escandalizado com a ideia de esquecer as lições aprendidas no isolamento e questionava se esta “memória perdida” não seria a causa para a ruína de todos, do amor, do matrimônio, da amizade e da lealdade (p. 106). Para ele, perdemos tempo apenas quando “não obtemos experiências, não aprendemos, não realizamos, nem desfrutamos nem sofremos nada” (p. 15).

O isolamento é precioso para a descoberta e o desenvolvimento de nossa identidade. Bem aproveitado, ele pode ajudar a responder “quem eu sou?”, e isso não tem preço. Posso desenvolver o meu caráter, receber treinamento e abraçar novos desafios. Enfim, não é tempo perdido se aprendo a viver e a servir melhor, se saio da caverna uma pessoa melhor, mais humilde, mais humano e cresço na arte de saber esperar. Em referência ao seu Evangelho, Paulo dizia: “Não o recebi de pessoa alguma nem me foi ele ensinado” (Gálatas 1:12), ou seja, ele o recebeu na leitura, reflexão e oração. 

Há vida no isolamento, se estou executando a minha missão de vida. Além dessa vocação de eterno adorador, cada um está neste mundo com um propósito, normalmente relacionado ao serviço. Posso ser forçado a fazer mil ajustes na rota, mas devo persistir na realização do que entendo ser uma ordem divina para mim. No caso dos cristãos, a ordem é explícita: cooperar para que o Evangelho seja anunciado a todos. Os discípulos sentem que, se estão obedecendo, tudo está bem.

Há vida no isolamento, se eu mantenho a adoração congregacional. A luta do Diabo em isolar as pessoas é, basicamente, uma tentativa de impedir a proclamação do Evangelho e o culto a Deus. Os discípulos sentem-se desafiados a não permitir que isso ocorra. Se não podem adorar no conforto de um templo, irão adorar onde puderem reunir dois ou três. Atos 16:25 registra: “Por volta da meia-noite, Paulo e Silas estavam orando e cantando hinos a Deus; os outros presos os ouviam”. Observe que eles tinham sido severamente açoitados e tinham os pés presos num tronco.

Por fim, há vida no isolamento quando percebemos a preciosidade da amizade de alguém que está, ou age como se estivesse, conosco em nossa “prisão”. O Senhor da história valorizou, como ninguém, essa amizade desenvolvida no isolamento, e fez dela o assunto para seu discurso final, quando este mundo de isolamentos chegar ao fim: “Quando preso ou doente, você esteve comigo. Agora, venha estar comigo nos céus”. Portanto, há vida no isolamento, se a boa parte está garantida depois dele.

Juracy Bahia

Além da Bíblia, além da vista

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Os cristãos consideram a Bíblia como a Palavra de Deus, mas isso não significa que tudo que provém de Deus está dentro de um livro. Jesus fez também muitas outras coisas. Se cada uma delas fosse escrita, penso que nem mesmo no mundo inteiro haveria espaço suficiente para os livros que seriam escritos” (João 21:25). “Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais miraculosos, que não estão registrados neste livro” (João 20:30). Ou seja, muito do que os discípulos viveram com Jesus não está registrado na Bíblia. Então, imagine o que os cristãos experimentaram em mais de 2000 anos; por exemplo, quantas palavras de encorajamento os discípulos de Jesus no mundo ministram em um único dia. Fomos empoderados para continuar as obras que Jesus iniciou. Ao mesmo tempo, tornamo-nos absolutamente dependentes, como um galho depende do tronco da árvore, a fim de produzir frutos, e isso não se refere apenas a números, mas também a experiências pessoais. 

Somos desafiados a crer além do que já está consolidado, a ampliar nossa compreensão, fé e obras. O Senhor advertiu Tomé porque sua fé estava travada. “Então Jesus lhe disse: ‘Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram’” (João 20.29). Muitas vezes, somos carros beberrões que precisam de muito combustível para andar. Uma migalha de Jesus deveria ser suficiente para mim, ou preciso de muito para crer? “‘Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos’. Jesus respondeu: ‘Mulher, grande é a sua fé! Seja conforme você deseja’. E naquele mesmo instante a sua filha foi curada” (Mateus 15:27-28).

Também não vou adorar a Deus somente pelo que está registrado na Bíblia. Há muitas grandezas de Deus para serem descobertas, relatadas e, por elas, adorar o Criador. “Jesus fez também muitas outras coisas”. E continua a fazer, em mim, ao meu redor, no meu tempo, na minha Igreja. “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Salmo 19.1). O que Cristo fez é maior até mesmo que nossa imaginação. “Quero trabalhar mais, buscar mais e perceber melhor os movimentos do Senhor perto de mim” (A boa parte, p. 243)

Nossa comunhão com Cristo deve ser como um iceberg, a maior parte não é vista pelos homens. Jesus está trabalhando em nós 24 horas por dia, sete dias por semana. Joarês Mendes Freitas escreveu certa vez: 

Toda porcelana, ao receber a pintura, é levada ao forno e submetida a temperaturas acima de 700 graus para fixar as imagens. O trabalho pode ser repetido várias vezes com uma nova demão de tinta e mais calor, até se alcançar a qualidade e a beleza desejadas. Como filhos de Deus, estamos no meio de um processo pelo qual a imagem de Cristo está sendo formada em nós. … O apóstolo  continua em II Co 3.18: “Estamos sendo transformados segundo a sua imagem com glória cada vez maior.” 

Verdade que algumas pessoas sequer têm vida cristã suficiente para um bom testemunho, mas não vivemos apenas para testemunhar.  Ser mais que os homens conseguem ver é um fio condutor em todo o ensino do Cristo: “Entre em seu quarto, feche a porta”. Como um iceberg, uma pequena parte de minha vida cristã precisa ser vista, para que as pessoas creiam, mas a minha verdadeira vida com Deus está muito além da vista.

Juracy Bahia

Se eu amo a Jesus…

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Em 2017 eu “descobri” João 21. Jesus ressuscitado encontra com seus discípulos e, de um modo especial, com Pedro, perguntado três vezes, “Pedro, você me ama?”. Percebi neste final do Evangelho de João um padrão, os 5 Cs: Jesus chama, congrega, confronta, comissiona e conforta. Aprendi sobre a importância de lidar bem com o passado negativo (culpa, erros, fracassos), a confiar que a próxima etapa pode ser melhor (e maior) “apascenta minhas ovelhas” e, ainda, sobre o extravagante amor de Deus.

Todos afirmamos, como Pedro, que amamos a Jesus. Será verdade? Se eu amo a Jesus, eu presto atenção ao que Ele está falando. Ao perguntar três vezes, soa-me como “você está me ouvindo?”.  Não é impressionante que algumas pessoas mudam inteiramente a vida a partir de um único sermão, enquanto outras ouvem sermões a vida inteira e nada mudam? Como disse Virgínia Brasier,  somos “uma geração da página lida pela metade”. Podemos ficar constrangidos, mas Cristo quer saber se estamos concentrados nele e em suas palavras. E isso é também amor, graça e didática. Ele insiste conosco naquilo que é importante para ele, para nós ou para a nossa relação com ele.

Se eu amo a Jesus, eu invisto num relacionamento além das necessidades básicas. O texto que fala do gabinete de Jesus com Pedro começa assim: “Depois da refeição…”, ou seja, depois de resolver o cansaço, a fome e o sentimento de fracasso, de uma noite infrutífera, Jesus chama Pedro para algo maior.  Parece mais fácil buscar a Deus nas necessidades. Eugene Peterson disse que “os lugares mais religiosos do mundo, para dizer a verdade, não são as igrejas, e sim os campos de batalha e hospitais mentais”. Muitos relacionamentos com Jesus Cristo são construídos na base de desejos e, pior, de desejos instantâneos: “Vocês me seguem porque querem encher a barriga”, reclamou Jesus certa vez. Nosso amor, muitas vezes, é de conveniência.  É triste perceber que algumas pessoas se afastam de Jesus na proporção em que prosperam, exatamente porque foram por ele abençoadas. A um Pedro formado e confirmado, Jesus disse “segue-me”, indicando que a ressurreição não era o fim do discipulado, mas, de alguma forma, o início. Aliás, como digo no livro A boa parte, se a ressurreição foi o fechamento de um processo de revelação de Deus aos homens, provavelmente ele teria escolhido um sábado, último dia da semana, e não um domingo para ressuscitar. Alguns capítulos antes, João destaca outras palavras de Jesus: “Quem tem os meus mandamentos e lhes obedece, esse é o que me ama. Aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me revelarei a ele” (14:21).

Se eu amo a Jesus, presto-lhe culto. É certo que Jesus está conduzindo Pedro a afirmar e a reafirmar seu amor. Isso é adoração. Um líder Talibã disse certa vez no Afeganistão: “Jihad é um ato de adoração. Adoração é algo de que, por mais que você faça, você não se cansa”. Claro que não concordamos em matar pessoas em nome de Deus, mas concordamos que não existe amor sem expressões concretas. Esta história de que eu amo a Jesus, mas não lhe presto culto não convence a ninguém, muito menos ao próprio Jesus que, como lembrou Pedro, tudo sabe, “tu sabes que eu te amo”. E onde adoramos a Jesus? Em todo o lugar, mas o que Jesus tinha em mente naquela conversa com Pedro era a sua Igreja.

Se eu amo Jesus, eu obedeço, eu faço o que ele ordena. Não apenas canto louvores voluntariamente, eu também faço o que ele manda, querendo ou não . Três vezes “amas-me?”, mas, também, três vezes “cuide de minhas ovelhas”. Alguns capítulos antes, João destaca outras palavras de Jesus: “Quem tem os meus mandamentos e lhes obedece, esse é o que me ama. Aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me revelarei a ele” (14:21). Se eu amo Jesus, eu vou trabalhar para ele, vou colocar a Igreja e o Reino como prioridade. Observe que Jesus teve três oportunidades para fazer recomendações diferentes a Pedro e usou as três para pedir que cuidasse da Igreja, enquanto Pedro tinha vitalidade, forças. Como Jesus já tinha dito: “Quem tem os meus mandamentos e lhes obedece, esse é o que me ama” (14:21).

Juracy Bahia

Ouça o sermão que originou este post: https://youtu.be/5SaeFqOZGT0

As nossas três casas

(Este post está no contexto de “A Plenitude”, quarto capítulo do livro A boa parte)

Foto do livro A boa parte. Permitida a reprodução citando a fonte..

As três dimensões da vida – esforço, devocional e milagre – têm três casas. No Antigo Testamento, elas são ilustradas pelo Sábado, o Templo e o Monte. Profanar o sábado equivale a desrespeitar o descanso ordenado por Deus, violentar as leis que regem nossa rotina de esforço ou trabalho. O Templo lembrava o devocional, a casa dos sacerdotes e escribas, o lugar de oração, o ponto de encontro de Deus com os homens. O monte representava a intervenção de Deus, do milagre onde, por exemplo, Moisés percebia a glória de Deus e recebeu dele as tábuas da Lei.

No Novo Testamento, essas casas são melhor representadas por Corpo, Igreja e Céu. O apóstolo Paulo explorou bastante a figura do corpo: “Portanto, irmãos, pelas misericórdias de Deus, peço que ofereçam o seu corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto racional de vocês” (Romanos 12:1 AAR). Já o Templo é quase sempre substituído pelo conceito de Igreja, e o Monte cedeu lugar à imagem de Céu, muito explorada, por exemplo, em Apocalipse. 

O valor dessas três “casas” já foi um grande debate teológico. Alguns púlpitos enfatizaram que o importante é garantir a salvação da alma, no céu; outros destacavam a justiça social, neste mundo, e ainda outros o equilíbrio das três. Como destaquei no livro A boa parte, Jesus ama a Marta, ama a Maria e ama a Lázaro, que ilustram essas três dimensões.

Nazaré lembra que Jesus é filho do homem, como Belém que ele é Filho de Davi e Jerusalém,  cidade santa e casa de paz, celebra o Filho de Deus. Jesus vivia plenamente o corpo, a igreja e o céu, mas teve que abrir mão de sua primeira casa em favor dos homens. Belém, casa de pão, onde nasceu, ou Nazaré, onde viveu até iniciar o seu ministério público, e onde enfrentou muitas lutas, tiveram que ser deixadas para trás quando iniciou seu ministério em Cafarnaum. Depois, teve que deixar Cafarnaum e seguir para Jerusalém. Esta renúncia ficou clara quando disse: “as raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Lucas 9:58). Ele não se referia à Igreja, muito menos ao Céu, mas à casa terrena. Sim, habitamos as três casas, mas precisamos nos preparar para a mudança. 

Jesus cuida do corpo, cura enfermidades, aceita o perfume derramado que traz conforto, cuidava de dormir, de alimentar-se, e ainda saciava a fome dos outros. Cuidou até de construir uma casa de amigos em Betânia, um oásis para dias trabalhosos.

Aos sábados, ia às sinagogas, como era seu costume. E foi numa destas rotinas que expulsou os ladrões da segunda casa, invocando Isaías 56: “A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos”, muito diferente de alguns sermões de hoje que desvalorizam o Templo, empobrecendo o seu conceito, como se fosse apenas tijolos e pedras. O conceito de Templo é muito mais amplo; é encontro da congregação, assembleia solene, Igreja reunida, ministério, discipulado, pregação, ensino, casa de oração e, até, casa de Deus (1 Timóteo 3.15).

Jesus habita o terreno e o devocional e, também, o eterno. “Vocês erram porque não conhecem as Escrituras, nem o poder de Deus”, disse Jesus a quem questionou a existência de nossa terceira casa (os saduceus não acreditavam na ressurreição – Marcos 12.24). Afinal, disse Jesus, o Deus do antepassado Abraão é Deus dos vivos, ou seja, o céu era uma realidade e estava interferindo na rotina de Jesus. 

Essas três casas são, todas, propriedade e habitação dos homens e de Deus e, portanto, terrenas e eternas: “Meus sábados”, “Minha casa de oração”, “Meu Monte Santo”. Antes que você me questione sobre a morte do corpo, preciso lembrar que ele será ressuscitado. 

Na casa que chamamos “nossa” ele espera ser convidado e chamá-la de templo do seu Espírito. Na casa que chamamos “dele”, seremos seus convidados. Na casa que chamamos “assembleia dos santos”, ele a chama de “minha igreja”. Sim, na graça todos nos sentimos em casa, mesmo sendo hóspedes.

Juracy Bahia

Banimento do Twitter do Trump

Depois que postei o vídeo sobre o banimento do Twitter do Trump, recebi vários comentários de amigos e novas informações vieram à tona. Então, resolvi escrever este post, como um complemento ao vídeo. Aproveito para pedir que se inscreva no meu novo canal no Youtube.

Uma ressalva: o púlpito da Igreja, a sala de aula ou um jornal são ambientes de comunicação e seus líderes decidem qual discurso pode ou não pode ser proferido, conforme a filosofia ou confissão da instituição. O  Twitter, o Youtube etc são, entretanto, plataformas de transmissão de comunicação, com o agravante que estão muito próximas de, juntos, formarem um monopólio da comunicação. Se elas decidirem que alguém não será ouvido, ficamos próximos da profecia sobre a besta do apocalipse, cuja “bênção” será necessária para comprar ou vender. Queremos mesmo dar a elas o poder de dizer o que pode e que não pode ser transmitido? Poderão definir que o aborto é aceitável, mas falar contra o homossexualismo é estímulo à violência.  Depois que gravei o vídeo sobre o banimento da conta do Trump, o CEO do Twitter, Jack Dorsey, questionou a própria decisão: “Foi um precedente perigoso…Tomamos uma decisão com as melhores informações que tínhamos…Isto estava correto?” Uma coisa ficou clara: a direção do Twitter tem uma visão estratégica mundial, longe de ser apenas um prestador de serviços.

Ainda não estamos vendo a liberdade de expressão totalmente restrita e todos concordamos sobre a importância de regras de moderação, inclusive no mundo virtual. Eu poderia aceitar essa censura feita ao Trump, ou aceitar o assassinato da Mariele como um assassinato entre outros, não fosse o medo de representarem as unhas de um terrível monstro escondido atrás da moita. A interpretação de que a liberdade de expressão termina onde esta expressão incita a violência parece razoável, mas quem vai julgar isso? Vamos delegar esse poder aos donos das empresas de transmissão de conteúdo? Ou a alguns líderes, conforme a conveniência política deles?

Não se deve flertar com o risco à liberdade. Você acha mesmo que não há uma ameaça? Meus ouvidos preferem conviver com bobagens, e até ofensas, que conviver com o silêncio total, com o medo de falar. E observe, as maiores ofensas não são “vamos fechar o capitólio na marra”; as maiores ofensas são as heresias teológicas, mas não quero nem que hereges sejam calados pela força.

Como sabem, escrevi um livro/roteiro para A boa parte, que só pode ser encontrada no exercício da liberdade. Não se encontra A boa parte com gente tendo que engolir o que pensa, na marra. Calar as pessoas das quais discordamos não é natural no reino da boa parte. Vejo este reino, sim, estimulando seus discípulos a falarem mais, a serem sal e luz no mundo escuro, sem o uso da força.

E não é arrogância eu determinar que a leitura da realidade do outro está tão errada que ele tenha que ser calado? Como ser humano, Trump não é pior ou melhor que a Mariele. Ambos são terríveis pecadores e ambos são amados por Deus. Admito, entretanto, que aquele que está ferindo o outro, literalmente, precisa ser contido fisicamente, mas quem ferir o outro com palavras precisa ser contido com argumentos, com educação dos ouvintes dele, com o voto popular e com a força do meu testemunho.

Juracy Bahia

Alegria da Gratidão

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Em outro post, destaquei as alegrias da conquista, da dádiva e do Espírito. Hoje quero falar da gratidão e do que acontece quando ela se encontra com a alegria. Educamos nossos filhos para serem agradecidos, para abandonarem o egoísmo e amadurecerem. Sim, gratidão é algo que se pode aprender. Bonhoeffer, um pastor que foi executado por conta de seus conceitos, disse que, em tempos de dificuldade e dependência, aprendemos a ser gratos. E isso não depende, necessariamente, da fé,  porque está em nossa configuração e pode ser desenvolvido. Não ser grato é uma distorção. A gratidão é um lado lindo do ser humano. 

Quando esse lado bom do homem encontra o Deus bondoso, quando acontece um encontro de Deus com o que recebemos dele, então ocorre uma “fusão nuclear”, surge a alegria da gratidão. No Evangelho de Lucas, lemos que o Senhor “exultou no Espírito” (Lucas 10.21). Essa expressão trata de algo além da alegria ou da gratidão naturais. O texto de Lucas, e cerca de uma dúzia de outros no Novo Testamento, relatam que essa alegria é incontida, é indizível. 

Em seguida, o Senhor destaca: “tudo recebi do Pai” e, ainda, “vejam como vocês são felizes pelo que receberam” (Lucas 10.22-24). Uma vez tomado pela Alegria, o Senhor disse “Graças te dou, Pai”. Observe que a gratidão gera alegria e, juntas, explodem em resposta. O “obrigado” que usamos em português quer dizer “eu estou obrigado a corresponder”. Ser grato e não responder é ofensivo, assim como oferecer sem estar grato é hipocrisia. 

Apocalipse usa a imagem da chegada da noiva ao altar para comunicar a ideia de uma explosão de alegria: “Então ouvi algo semelhante ao som de uma grande multidão, como o estrondo de muitas águas e fortes trovões, que bradava: “Aleluia! pois reina o Senhor, o nosso Deus, o Todo-poderoso. Regozijemo-nos! Vamos nos alegrar e dar-lhe glória! Pois chegou a hora do casamento do Cordeiro, e a sua noiva já se aprontou” (Apocalipse 19:6,7)

Como numa explosão, o encontro da alegria com a gratidão sempre produz e lança energia. O Carnaval, por exemplo, é conhecido como uma explosão de alegria, mas sem, necessariamente, um compromisso. Já a alegria da gratidão envolve um compromisso voluntário e altruísta. Quando o homem natural é restaurado, ele volta para agradecer, necessária e regularmente. Como homem perfeito, o Senhor Jesus entendia que deveria ir ao Templo semanalmente para agradecer ao Pai. Por isso, encontrar a Alegria de braços abertos e não corresponder é o pecado sem perdão. E quando esta alegria da gratidão é direcionada a Deus, temos a verdadeira adoração. O culto é uma resposta nossa a um Deus galardoador.

Juracy Bahia

A lei do empoderamento (dos outros)

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Antes de ler este tópico, sugiro que leia As três alegrias. Será oportuno, ainda, ler o tópico “Obediência”, do livro A boa parte, p. 237, onde destaco a frase: “É vergonhoso que nossa motivação para trabalhar nos projetos que levam o nosso nome seja exageradamente maior do que aquela que nos leva a trabalhar em projetos de uma equipe”.

Quando Marta tentou forçar Jesus para que mandasse Maria ajudá-la nos serviços domésticos, ela estava humilhando a irmã. Maria deve ter se encolhido de vergonha. Acontece que Jesus não seguiu no jogo de Marta. Pelo contrário, ele empoderou Maria: “Ela escolheu a boa parte”, disse ele em voz alta para que Maria também ouvisse. Um pequeno silêncio dominou a sala e Maria se alegrou com a dádiva recebida.

Antes de realizar e conquistar, nossa vocação é empoderar outros, fazer outros fortes. Gosto muito de ouvir Give Thanks, de Henry Smith, especialmente o trecho: “Diga o fraco: eu sou forte”. Imagino Jesus Cristo fazendo isso todo o tempo, e ainda me estimulando a fazer o mesmo com os outros.

Empodero as pessoas quando fortaleço o fraco, estimulo o desanimado, valorizo as boas práticas e escolhas dos meus filhos, alunos e amigos. Empodero as pessoas, não apresentado-as aos importantes e famosos deste mundo, mas quando as apresento ao próprio Poder, em oração. Empodero pessoas quando as capacito para serem o que vieram a ser neste mundo, quando colaboro para que se tornem bons discípulos de Jesus, não discípulos meus. Empodero pessoas quando meu discurso é positivo e assertivo, quando falo, escrevo e compartilho “apenas a que for útil para edificar os outros” (Efésios 4.29)

Como é incrível a lei do empoderamento dos outros! Em 2001, eu li Retorno à Santidade, do Dr. Gregory Frizzell. Coloquei no meu coração divulgar os livros dele no Brasil. Em vinte anos, cerca de 700 mil livros deste humilde servo de Deus foram vendidos no Brasil. Eu não conseguiria isso, mesmo que escrevesse um livro equivalente e empregasse a mesma energia na divulgação. Quando eu trabalho para mim mesmo, eu posso conseguir muito, mas quando eu trabalho, especialmente “atrás das cortinas”, para empoderar os outros, eu consigo muito mais. Esta é a lei do empoderamento, que eu poderia chamar também de “a lei de João Batista”: “É necessário que ele cresça e que eu diminua” (João 3:30). E aqui, o reino da boa parte prevalece, porque empodera os servos, enquanto o reino das trevas empodera os egoístas.

A verdade é que temos e ensinamos os outros a terem um projeto de poder. Mas, quem acabou se tornando o maior de todos os nascidos de mulher foi João Batista, exatamente aquele que entendeu que vocação era falar do outro e não de si mesmo. “Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10.42-45).

Juracy Bahia

Os andares superiores da alegria

Carnaval 2020 no Rio de Janeiro. Imagem da Internet

A alegria tem sido o tema de muitos tratados filosóficos, peças de teatro e filmes. Também é um grande assunto na Bíblia. O apóstolo Paulo vai ordenar aos filipenses que fiquem alegres, mas a alegria pode ser o cumprimento de uma ordem? Ela tem origem em Deus, no Diabo ou no próprio homem? Ela pode ser ensinada, como se ensina a meditar, a respirar ou a nadar? Existem níveis de alegria? Colocaríamos a alegria de uma pegadinha como nível 1, a conquista de um bom emprego como nível 2 e o nascimento de um filho, nível 3? Seria algo assim? Existiria, neste caso, um nível 7 de alegria?

Existe um subsolo da alegria, quando se alegra com a infelicidade própria ou dos outros, mas não trataremos dele aqui. O nível térreo da alegria é o da realização, da conquista, do esforço. O homem empreende, realiza, e se alegra nisso. Isso explica muito da ligação entre os esportes e a alegria. Não se ganha a partida apenas pela fama ou pelo dinheiro, ganha-se para ficar alegre. Conquista e alegria estão definitivamente relacionadas. Podemos chamar esta categoria de alegria de nível zero, por que comum a todos os seres humanos. Uma quadrilha experimenta alegria porque assaltou um banco, assim também o jovem porque passou no vestibular.

Vamos deixar o debate filosófico e destacar três níveis superiores da alegria numa intrigante palavra do Cristo, registrada pelo Dr. Lucas: “alegrem-se, não porque os espíritos se submetem a vocês, mas porque seus nomes estão escritos nos céus” (Lucas 10.20). Observo três alegrias: a da conquista, a da dádiva e a do Espírito. O verso 17 do capítulo citado de Lucas diz que os discípulos de Cristo voltaram radiantes da missão porque tinham percebido o poder de Deus em ação. Há uma particularidade na alegria que os discípulos demonstraram: eles estavam alegres porque os demônios se submetiam a eles “por conta do uso do nome de Jesus”. Então, era um primeiro tipo de alegria: observar como o poder de Deus muda para melhor as realidades decaídas. Onde há trevas, Cristo chega com luz; onde há desordem, a chegada do Evangelho colocar cada coisa em seu devido lugar etc. Observe que esta categoria de alegria já ocorre fora do ser humano. Os discípulos se alegraram porque contemplaram algo, no caso, o poder de Deus.

Ontem à noite, a Lua estava esplendidamente linda. Eu olhei demoradamente para ela e me alegrei. Eu nada fiz para a Lua ficar com aquela beleza toda, mas me alegrei. Recebi como uma dádiva. O Senhor disse aos discípulos que voltaram alegres da missão cumprida e da contemplação do poder Deus em ação: “Alegrem-se, antes, porque seus nomes estão escritos no Céu”. Ora, eles entendiam muito bem que nada tinham feito para terem seus nomes gravados definitivamente no Céu. Era um presente imerecido. Esta alegria, Tipo Dois, parece ser mais rara, mais densa e mais nobre, porque não provoca o orgulho. Eu colocaria aqui, por exemplo, também, a alegria da amizade sincera e, ainda mais, a alegria do relacionamento com a fonte da alegria, o próprio Deus. Neste ponto, precisamos falar da alegria da liberalidade. Quando doamos, experimentamos alegria em um grau mais elevado. Esta é a alegria que sentimos na vitória dos outros. O que Jesus fez foi trazer à consciência dos discípulos a memória de uma segurança eterna, criou neles a imagem de uma vida no Reino de Deus. Mais do que ver a ação de Deus no presente, esta alegria é relacionada à esperança naquilo que Deus ainda fará. Na verdade, isto é definição de fé.

Finalmente, na narrativa do Dr. Lucas há algo ainda mais intrigante. Diz o texto que Jesus Cristo em seguida, verso 21, “exultou no Espírito”. Não foi como se tivesse ganhado um presente, mas como se tivesse sido tomado pelo presente. Ele tinha se recusado a ser possuído pelo Diabo no Monte da Tentação, mas se deixava ser tomado pelo Espírito de Alegria. Isto era algo completamente positivo, um êxtase, uma satisfação da alma. Para ser honesto, era algo indescritível. E qual foi o contexto que fez Jesus Cristo ser tomado pela Alegria? Ele viu a alegria dos discípulos e seus nomes no Céu. Aquele que tinha chorado ao ver o sofrimentos dos amigos e a incredulidade dos homens, agora tem a sua alegria despertada ao ver o futuro eterno dos discípulos. Isto é revelador sobre a fonte da alegria. Ela está fora da pessoa. Alegria é desfrutada principalmente no coletivo, no compartilhamento, na solidariedade. Talvez Deus seja definido com a Alegria por ser trino. O Homem de Nazaré se alegrou na alegria dos seus amigos, ao fazer que outros fossem felizes. Alegrem-se com os que se alegram (Romanos 12.15), ordena novamente Paulo, agora aos romanos. Não é irônico que a luta para conquistar a felicidade pode atuar contra o próprio propósito?

Uma pessoa pode viver, basicamente, pela alegria da conquista. Por ganância, podem sacrificar uma alegria ainda melhor, da amizade, por exemplo. Alguns, por se esforçarem pouco, não se alegram nem na conquista. Outros começam a experimentar a verdadeira alegria ao perceberem a ação de Deus em suas vidas. Como enfatizava um velho pastor: “Felicidade começa com Fé”. Estes são mais felizes à medida que reconhecem, e apreciam, que recebemos mais da vida do que entregamos, talvez na proporção de água em nosso corpo e em nosso planeta. Então, no altruísmo somos um pouco Deus, porque nos alegramos com os outros. Por fim, é na glória de Deus que nos realizamos absolutamente. Ali, na vitória final do Cordeiro, encontraremos, finalmente, a boa parte. Se as alegrias do tipo Zero, Um e Dois entram no ser humano, no caso da alegria tipo Três, o homem é inserido na Alegria. O clímax da alegria está em se perceber dentro da Alegria. Jesus disse ao seus amigos: “Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa” (João 15.11)

Juracy Bahia

QUESTÃO DE PERSPECTIVA

No primeiro episódio do seriado americano Vírgin River, num diálogo entre os personagens Jack e Mel, um diz para o outro que “O segredo da felicidade é a perspectiva.” Há uma boa dose de verdade nessa declaração. Max Lucado afirma que “A fé é o pássaro que canta quando o dia nem ainda começou.” É natural que o nosso estado de espírito reflita as nossas perspectivas.

Como você visualiza o amanhã? O que espera acontecer em sua vida pessoal, profissional, em seu ministério? No país e no mundo? Há três modos de ver o futuro: o otimista, o pessimista e o cético. Alguns gregos ensinavam que o alvo supremo da vida é tornar-se indiferente a ponto de não ser afetado pelas circunstâncias e, consequentemente, não alimentar qualquer expectativa.

A perspectiva de um cristão, sua maneira de ver e interpretar as circunstâncias se assenta sobre três fatores que em si são imutáveis: O caráter de Deus, as suas promessas e a sua fidelidade. O escritor aos Hebreus nos recomenda a “olhar firmemente para Jesus, autor e consumador da nossa fé” (12.2). Essa é a nossa perspectiva e nele encontramos a verdadeira felicidade

Muitas pessoas ficam olhando pelo retrovisor e se esquecem de que o para-brisa é muito maior. O passado deve nos inspirar, mas as nossas maiores oportunidades ainda vão chegar.

Joarês Mendes de Freitas

Lançamento 05 de novembro 2020

A boa parte é uma conversa respeitosa e honesta com o ateu e o agnóstico, um confronto piedoso do religioso e um desafio para quem já vive a plenitude da vida cristã, que ocorre no equilíbrio entre diligência, devoção pessoal e o lidar saudável com as intervenções de Deus em nossa rotina. Alcançar este equilíbrio pode ser o maior desafio de cada um de nós.