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Pé de Zimbro

Tenho percebido que há algo realmente diferente naquele que Deus chama para o ministério da palavra. Você já deve ter sido abordado por alguém que prontamente diz: “Escuta, você é pastor, não é?”. Há algo diferente em nós que merece ser melhor estudado. 

Há pastores no interior que recebem um salário muito baixo, às vezes pago em galinhas ou sacos de farinha. As lutas e necessidades dos pastores que vivem nos grandes centros são diferentes, mas não menores. E as dificuldades financeiras, sabemos, são apenas um aspecto da luta. Os céus estão ocupados em prover cuidado para cada um deles.

Quando eu fui para o seminário e comecei a me envolver com as questões da denominação, um novo sonho cresceu dentro de mim: o de servir a pastores. Eu chamo este sonho de “plantar um pé de zimbro”, uma referência ao texto de  1 Reis 19: 1-8:

Acabe contou a Jezabel tudo o que Elias havia feito e como havia matado todos os profetas à espada.

Então Jezabel mandou um mensageiro a Elias para dizer-lhe: — Que os deuses me castiguem se amanhã a estas horas eu não tiver feito com a sua vida o mesmo que você fez com a vida de cada um deles!

Elias ficou com medo, levantou-se e, para salvar a vida, se foi e chegou a Berseba, que pertence a Judá. E ali ele deixou o seu servo.

Ele mesmo, porém, foi para o deserto, caminhando um dia inteiro. Por fim, sentou-se debaixo de um zimbro. Sentiu vontade de morrer e orou: — Basta, Senhor ! Tira a minha vida, porque eu não sou melhor do que os meus pais.

Deitou-se e dormiu debaixo de um zimbro. E eis que um anjo tocou nele e lhe disse: — Levante-se e coma.

Elias olhou e viu, perto da sua cabeça, um pão assado sobre pedras em brasa e um jarro de água. Comeu, bebeu e tornou a dormir.

O anjo do Senhor voltou, tocou nele e lhe disse: — Levante-se e coma, porque a viagem será longa.

Então Elias se levantou, comeu e bebeu. E, com a força daquela comida, caminhou quarenta dias e quarenta noites até Horebe, o monte de Deus.

Elias estava esgotado e o pé de zimbro foi um local de refúgio. Nos momentos em que o sol quente faz as coisas parecerem ainda piores do que são, Deus providencia “pés de zimbro” para o alívio de seus profetas. No capítulo anterior, o 17, lemos a história da viúva de Sarepta, que também foi um “pé de zimbro” para o profeta. O Senhor disse para Elias: “demora-te ali, onde ordenei a uma mulher viúva que te dê comida”. Ou seja, aquela mulher era um apoio no deserto num momento de grande dificuldade. Deus tem levantado essas viúvas, ao longo da história, para servirem de apoio, de encorajamento, às vezes até mesmo de sustento, para os Seus servos. 

Deus levanta pessoas para cuidar de seus servos, e essas pessoas acabam sendo abençoadas. Isto é refletido na promessa de que aqueles que nos oferecem um copo de água, estando nós na categoria de profetas, receberão a recompensa dos profetas (Mateus 10.42). No versículo 15 do capítulo 17, lemos que “A viúva foi e fez segundo a palavra de Elias. Assim, comeram ele, ela e a sua casa durante muitos dias.” (1 Reis 17:15). 

Posso invocar também a Obadias, no capítulo 18, um mordomo do rei Acabe.  Num tempo em que os profetas estavam sendo assassinados, Obadias sentiu no coração o desejo de cuidar de uma centena deles. Ele protege e alimenta dois grupos de 50 profetas. Obadias, ofereceu aos profetas perseguidos o mesmo cardápio que o anjo ofereceu a Elias, sob o pé de zimbro, no capítulo 19, pão e água, e isso nos lembra que talvez Deus não tenha compromisso com os nossos caprichos, mas que não nos deixará faltar o essencial. É maravilhoso lembrar que somos diretamente sustentados por Deus, que o Anjo do Senhor confere a dispensa da nossa casa todas as manhãs.

Quem é este anjo anjo que do nada aparece a Elias no capítulo 19, faz uma visita no momento do limite das forças do profeta, toca nele, fala com ele e o alimenta? Que anjo é este? Quando eu chegar no céu, quero dar um abraço na viúva, em Obadias e também quero encontrar esse anjo e abraçá-lo. O Deus que cuida de nós também move outros com essa função de “pé de zimbro” e eles devem entender que representam o próprio Deus. Quando eu cuido de um pastor, faço o papel de um anjo. Eu não tenho dúvida de que este anjo representa Jesus.  Lembra daquela história que Jesus conta sobre o fazendeiro que vai até a praça e lá encontra alguns homens desocupados? Ele diz: “Por que vocês não estão trabalhando?”, ao que eles respondem: “Ninguém nos contratou”. Então o fazendeiro diz: “Sigam para minha vinha”. Esta parábola revela que ele trabalha pessoalmente na convocação de seus homens e que ele envolve os seus chamados no seu empreendimento.

Esse anjo, que representa Jesus, representa também um papel que eu devo assumir. Eu também sou esse anjo, quando sou chamado para ser um “pé de zimbro”, quando sou chamado para ser as mãos de Jesus para oferecer cuidado e sustento para outros discípulos. 

Certa vez, eu iria pregar em um congresso de pastores de outra denominação. Uns 15 dias antes, recebi o telefonema do mentor que cuida dos pastores daquela denominação. Ele perguntou como eu estava passando, como estava a minha família e se poderia orar por mim. Eu não estava acostumado à experiência de alguém cuidando de mim. Nós precisamos, como denominação, refletir sobre isso. Investimos bastante em áreas importantes como contabilidade, questões jurídicas e outras atribuições importantes, mas deixamos de lado o ministério do cuidado. Temos que admitir que não temos a cultura de cuidar de pastores, nem de sermos cuidados. 

Mas este não é um tema apenas institucional. Quando foi a última vez que alguém acordou você para comer? Só uma mãe diz: “Acorda, você precisa comer”. Aquele que deseja exercer cuidado toma a iniciativa. Nós precisamos fazer um novo voto de cuidado entre pastores, e isso tem que começar dentro de cada um de nós. Precisamos nos ver como cuidadores de profetas. Nós temos que nos ver no papel deste anjo do capítulo 19, ou como Obadias, do capítulo 18. Nós temos que nos colocar como aquela viúva do capítulo 17. Nós quem devemos exercer o cuidado. Nós somos o pé de zimbro que Deus plantou. 

Mas o que nós temos praticado muitas vezes é uma cultura de isolamento. Talvez o conceito de autonomia da igreja local tenha sido mal interpretado, de modo que acabamos praticando ministérios de isolamento. Nós precisamos substituir essa cultura do isolamento por uma cultura de acolhimento, de mentoria e cuidados mútuos.

Quando falo aos pastores, gosto de fazer uma dinâmica com I Reis 13, sobre o encontro do profeta velho com o profeta jovem. O jovem profeta estava cheio de entusiasmo para pregar, enfrentou a sociedade e as autoridades para levar a sua mensagem. Então, o velho profeta convidou o jovem pastor para uma refeição, mas aceitar este sedutor convite representava desobedecer à ordem divina. Diferentemente do anjo do pé de zimbro, aquele velho profeta causou a morte de seu colega. Então, concluímos que também temos o potencial para destruir, para machucar nossos colegas. Podemos ser como o anjo ou como o velho profeta.

Devemos nos conscientizar sobre a necessidade de fazer evoluir o nosso formato de companheirismo, de como lidamos uns com os outros. Por exemplo, quando foi a última vez que você recebeu, na sua casa, a visita de outro pastor? Quando foi a última vez que você visitou um colega? E observe que o anjo visitou Elias mais de uma vez: ele o tocou e o serviu, depois deixou que o profeta adormecesse, voltou e o serviu novamente. Havia algo sistemático ali. É preciso tocar em outros pastores, sistematicamente. 

Há um enorme exército de pastores sem algo que possam chamar de um ministério. Nas décadas de 1980 e 1990, era muito comum orarmos “Senhor, mande mais obreiros”. No Brasil, essa era uma oração feita em quase todo encontro. O Senhor mandou obreiros, e o que nós estamos fazendo com eles? Eu sonho, trabalho e oro para que cresça dentro de nós uma nova ideia de companheirismo. Há pessoas que nos criticam, chamando-nos de “corporativistas”. Antes fôssemos! A solidariedade entre os pastores é baixíssima. Nós não temos nada que possamos chamar de uma cultura de cuidados. 

Esse anjo é um modelo de cuidado com os pastores. Ele diz: “Come, fique forte, você tem uma longa viagem pela frente”. Impressiona-me que este anjo não discute com Elias. Quantos assuntos poderiam ser debatidos naquele encontro! Política (Rei Acabe, Jezabel), Economia (três anos de seca, todos passando fome)… Mas o anjo se detém em fortalecer Elias para que, seguindo viagem, ele pudesse ter um encontro com o Senhor. Nós podemos mudar uma vida com um jantar. Ao convidar um colega pastor para uma refeição, ele sentirá o toque, o encorajamento. Nós não temos a chave para resolver todos os problemas de outros pastores, mas podemos ser instrumentos na vida de nossos colegas, criar condições para que sigam até Jesus e se resolvam lá, onde podem encontrar respostas. 

Às vezes, as palavras que dirigimos aos colegas são muito duras. Muitas vezes não nos portamos como aquele anjo, ou como Obadias. O capítulo 18 mostra que Obadias, mordomo do rei Acabe, saiu em uma direção, e o rei em outra, ambos buscando solução para a seca que sacrificava o povo. Obadias encontra o profeta Elias e diz: “És tu o servo do Senhor, Elias?”. Obadias é aquele que reconhecia pastores, porque cuidava de pastores. Elias responde: “Sim, sou eu”. No mesmo capítulo, 10 versículos depois, o rei Acabe encontra Elias, e diz: “És tu o perturbador de Israel?”. A pergunta que devemos nos fazer é a seguinte: temos sido um Obadias ou um Acabe quando encontramos os profetas do Senhor? Quando encontramos nossos colegas, nosso foco está em achar o que eles fazem para “perturbar” ou no fato, muito mais importante, que eles são ungidos homens de Deus?”. 

Quando eu encontro um servo de Deus, os mais idosos e os que acabaram de sentir o chamado, algo em mim reconhece que são ungidos do Senhor. Há um coração diferente pulsando neles. E quando é que nasce o coração de pastor? Minha nora me deu uma pista. Certa vez ela observava o seu primeiro filho, quando disse: “Meu Deus, como eu posso amar tanto este pedacinho de gente?”. Ela tinha sido possuída por um espírito de amor materno. Quando teria nascido esse espírito? Quando engravidou? Quando o bebê nasceu? Ao amamentar? Eu não sou capaz de explicar isso, mas uma coisa eu sei: algo muito parecido com isso acontece no coração de quem se torna pastor. De repente, ele se descobre pastor. E será sempre um pastor. Aposenta-se do ofício, mas quem é pastor o é para sempre. 

Eu tenho que cuidar de outros pastores, tenho que ser esse anjo, essa viúva, esse Obadias. Tenho que configurar o meu ministério para apoiar pastores, e nunca para prejudicá-los. 

O tamanho de nosso desafio é percebido quando nos encontramos em turmas de mentoria. Quando reunimos um pequeno grupo de pastores em uma semana de retiro, algo curiosamente triste é constatado: cerca de 20% deles pensam em deixar o ministério. A falta de estatísticas exatas já não é preocupante? Se for confirmado que 20% do total dos pastores pensam em abandonar o ministério, estaremos falando de milhares de pastores. Não deveria isso acender todas as luzes amarelas? 

Por outro lado, a experiência de mentoria mútua revela uma oportunidade. Em todas as turmas os pastores tornam-se amigos. Isso porque nós temos um “DNA” em comum, um coração de pastor. Somos pastores e, como pássaros de penas semelhantes, o normal é andarmos juntos. Nós estamos mais próximos uns dos outros do que imaginamos e precisamos de uma estrutura que explore esta cumplicidade. 

Concretamente, a solução pode ser a multiplicação de turmas de mentoria mútua de pastores, onde somos apenas irmãos de luta. Precisamos criar uma cultura de companheirismo, de apoio e cuidado mútuos. E isso começa com a consciência de que Deus está preparando cada um de nós para oferecer uma contribuição. Deus não está permitindo que você viva tantas experiências no seu ministério apenas para ter uma aposentadoria feliz. Ele está preparando você para ser um mentor de outros pastores. A vivência adquirida no ministério não é propriamente nossa, mas para ser compartilhada. Precisamos de uma geração de pastores que sejam mentores. Observe que quando Elias foi  fortalecido pelo ministério daquele anjo, ele foi até o monte Horebe e teve um encontro com o Senhor. Elias, então, entendeu que deveria transferir suas responsabilidades de profeta a um sucessor. Deus quer nos ensinar como transferir experiências para outros pastores. É como se Deus dissesse que o nosso ministério não é concluído enquanto não soubermos compartilhar outros profetas o dom que recebemos dele.

(*) Sermão (editado para texto) pregado pelo pastor Juracy Carlos Bahia no Congresso Anual da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil – OPBB – no dia 28/06/2018. O título original foi “Pastor ajuda pastor”. 

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