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Pé de Zimbro

Tenho percebido que há algo realmente diferente naquele que Deus chama para o ministério da palavra. Você já deve ter sido abordado por alguém que prontamente diz: “Escuta, você é pastor, não é?”. Há algo diferente em nós que merece ser melhor estudado. 

Há pastores no interior que recebem um salário muito baixo, às vezes pago em galinhas ou sacos de farinha. As lutas e necessidades dos pastores que vivem nos grandes centros são diferentes, mas não menores. E as dificuldades financeiras, sabemos, são apenas um aspecto da luta. Os céus estão ocupados em prover cuidado para cada um deles.

Quando eu fui para o seminário e comecei a me envolver com as questões da denominação, um novo sonho cresceu dentro de mim: o de servir a pastores. Eu chamo este sonho de “plantar um pé de zimbro”, uma referência ao texto de  1 Reis 19: 1-8:

Acabe contou a Jezabel tudo o que Elias havia feito e como havia matado todos os profetas à espada.

Então Jezabel mandou um mensageiro a Elias para dizer-lhe: — Que os deuses me castiguem se amanhã a estas horas eu não tiver feito com a sua vida o mesmo que você fez com a vida de cada um deles!

Elias ficou com medo, levantou-se e, para salvar a vida, se foi e chegou a Berseba, que pertence a Judá. E ali ele deixou o seu servo.

Ele mesmo, porém, foi para o deserto, caminhando um dia inteiro. Por fim, sentou-se debaixo de um zimbro. Sentiu vontade de morrer e orou: — Basta, Senhor ! Tira a minha vida, porque eu não sou melhor do que os meus pais.

Deitou-se e dormiu debaixo de um zimbro. E eis que um anjo tocou nele e lhe disse: — Levante-se e coma.

Elias olhou e viu, perto da sua cabeça, um pão assado sobre pedras em brasa e um jarro de água. Comeu, bebeu e tornou a dormir.

O anjo do Senhor voltou, tocou nele e lhe disse: — Levante-se e coma, porque a viagem será longa.

Então Elias se levantou, comeu e bebeu. E, com a força daquela comida, caminhou quarenta dias e quarenta noites até Horebe, o monte de Deus.

Elias estava esgotado e o pé de zimbro foi um local de refúgio. Nos momentos em que o sol quente faz as coisas parecerem ainda piores do que são, Deus providencia “pés de zimbro” para o alívio de seus profetas. No capítulo anterior, o 17, lemos a história da viúva de Sarepta, que também foi um “pé de zimbro” para o profeta. O Senhor disse para Elias: “demora-te ali, onde ordenei a uma mulher viúva que te dê comida”. Ou seja, aquela mulher era um apoio no deserto num momento de grande dificuldade. Deus tem levantado essas viúvas, ao longo da história, para servirem de apoio, de encorajamento, às vezes até mesmo de sustento, para os Seus servos. 

Deus levanta pessoas para cuidar de seus servos, e essas pessoas acabam sendo abençoadas. Isto é refletido na promessa de que aqueles que nos oferecem um copo de água, estando nós na categoria de profetas, receberão a recompensa dos profetas (Mateus 10.42). No versículo 15 do capítulo 17, lemos que “A viúva foi e fez segundo a palavra de Elias. Assim, comeram ele, ela e a sua casa durante muitos dias.” (1 Reis 17:15). 

Posso invocar também a Obadias, no capítulo 18, um mordomo do rei Acabe.  Num tempo em que os profetas estavam sendo assassinados, Obadias sentiu no coração o desejo de cuidar de uma centena deles. Ele protege e alimenta dois grupos de 50 profetas. Obadias, ofereceu aos profetas perseguidos o mesmo cardápio que o anjo ofereceu a Elias, sob o pé de zimbro, no capítulo 19, pão e água, e isso nos lembra que talvez Deus não tenha compromisso com os nossos caprichos, mas que não nos deixará faltar o essencial. É maravilhoso lembrar que somos diretamente sustentados por Deus, que o Anjo do Senhor confere a dispensa da nossa casa todas as manhãs.

Quem é este anjo anjo que do nada aparece a Elias no capítulo 19, faz uma visita no momento do limite das forças do profeta, toca nele, fala com ele e o alimenta? Que anjo é este? Quando eu chegar no céu, quero dar um abraço na viúva, em Obadias e também quero encontrar esse anjo e abraçá-lo. O Deus que cuida de nós também move outros com essa função de “pé de zimbro” e eles devem entender que representam o próprio Deus. Quando eu cuido de um pastor, faço o papel de um anjo. Eu não tenho dúvida de que este anjo representa Jesus.  Lembra daquela história que Jesus conta sobre o fazendeiro que vai até a praça e lá encontra alguns homens desocupados? Ele diz: “Por que vocês não estão trabalhando?”, ao que eles respondem: “Ninguém nos contratou”. Então o fazendeiro diz: “Sigam para minha vinha”. Esta parábola revela que ele trabalha pessoalmente na convocação de seus homens e que ele envolve os seus chamados no seu empreendimento.

Esse anjo, que representa Jesus, representa também um papel que eu devo assumir. Eu também sou esse anjo, quando sou chamado para ser um “pé de zimbro”, quando sou chamado para ser as mãos de Jesus para oferecer cuidado e sustento para outros discípulos. 

Certa vez, eu iria pregar em um congresso de pastores de outra denominação. Uns 15 dias antes, recebi o telefonema do mentor que cuida dos pastores daquela denominação. Ele perguntou como eu estava passando, como estava a minha família e se poderia orar por mim. Eu não estava acostumado à experiência de alguém cuidando de mim. Nós precisamos, como denominação, refletir sobre isso. Investimos bastante em áreas importantes como contabilidade, questões jurídicas e outras atribuições importantes, mas deixamos de lado o ministério do cuidado. Temos que admitir que não temos a cultura de cuidar de pastores, nem de sermos cuidados. 

Mas este não é um tema apenas institucional. Quando foi a última vez que alguém acordou você para comer? Só uma mãe diz: “Acorda, você precisa comer”. Aquele que deseja exercer cuidado toma a iniciativa. Nós precisamos fazer um novo voto de cuidado entre pastores, e isso tem que começar dentro de cada um de nós. Precisamos nos ver como cuidadores de profetas. Nós temos que nos ver no papel deste anjo do capítulo 19, ou como Obadias, do capítulo 18. Nós temos que nos colocar como aquela viúva do capítulo 17. Nós quem devemos exercer o cuidado. Nós somos o pé de zimbro que Deus plantou. 

Mas o que nós temos praticado muitas vezes é uma cultura de isolamento. Talvez o conceito de autonomia da igreja local tenha sido mal interpretado, de modo que acabamos praticando ministérios de isolamento. Nós precisamos substituir essa cultura do isolamento por uma cultura de acolhimento, de mentoria e cuidados mútuos.

Quando falo aos pastores, gosto de fazer uma dinâmica com I Reis 13, sobre o encontro do profeta velho com o profeta jovem. O jovem profeta estava cheio de entusiasmo para pregar, enfrentou a sociedade e as autoridades para levar a sua mensagem. Então, o velho profeta convidou o jovem pastor para uma refeição, mas aceitar este sedutor convite representava desobedecer à ordem divina. Diferentemente do anjo do pé de zimbro, aquele velho profeta causou a morte de seu colega. Então, concluímos que também temos o potencial para destruir, para machucar nossos colegas. Podemos ser como o anjo ou como o velho profeta.

Devemos nos conscientizar sobre a necessidade de fazer evoluir o nosso formato de companheirismo, de como lidamos uns com os outros. Por exemplo, quando foi a última vez que você recebeu, na sua casa, a visita de outro pastor? Quando foi a última vez que você visitou um colega? E observe que o anjo visitou Elias mais de uma vez: ele o tocou e o serviu, depois deixou que o profeta adormecesse, voltou e o serviu novamente. Havia algo sistemático ali. É preciso tocar em outros pastores, sistematicamente. 

Há um enorme exército de pastores sem algo que possam chamar de um ministério. Nas décadas de 1980 e 1990, era muito comum orarmos “Senhor, mande mais obreiros”. No Brasil, essa era uma oração feita em quase todo encontro. O Senhor mandou obreiros, e o que nós estamos fazendo com eles? Eu sonho, trabalho e oro para que cresça dentro de nós uma nova ideia de companheirismo. Há pessoas que nos criticam, chamando-nos de “corporativistas”. Antes fôssemos! A solidariedade entre os pastores é baixíssima. Nós não temos nada que possamos chamar de uma cultura de cuidados. 

Esse anjo é um modelo de cuidado com os pastores. Ele diz: “Come, fique forte, você tem uma longa viagem pela frente”. Impressiona-me que este anjo não discute com Elias. Quantos assuntos poderiam ser debatidos naquele encontro! Política (Rei Acabe, Jezabel), Economia (três anos de seca, todos passando fome)… Mas o anjo se detém em fortalecer Elias para que, seguindo viagem, ele pudesse ter um encontro com o Senhor. Nós podemos mudar uma vida com um jantar. Ao convidar um colega pastor para uma refeição, ele sentirá o toque, o encorajamento. Nós não temos a chave para resolver todos os problemas de outros pastores, mas podemos ser instrumentos na vida de nossos colegas, criar condições para que sigam até Jesus e se resolvam lá, onde podem encontrar respostas. 

Às vezes, as palavras que dirigimos aos colegas são muito duras. Muitas vezes não nos portamos como aquele anjo, ou como Obadias. O capítulo 18 mostra que Obadias, mordomo do rei Acabe, saiu em uma direção, e o rei em outra, ambos buscando solução para a seca que sacrificava o povo. Obadias encontra o profeta Elias e diz: “És tu o servo do Senhor, Elias?”. Obadias é aquele que reconhecia pastores, porque cuidava de pastores. Elias responde: “Sim, sou eu”. No mesmo capítulo, 10 versículos depois, o rei Acabe encontra Elias, e diz: “És tu o perturbador de Israel?”. A pergunta que devemos nos fazer é a seguinte: temos sido um Obadias ou um Acabe quando encontramos os profetas do Senhor? Quando encontramos nossos colegas, nosso foco está em achar o que eles fazem para “perturbar” ou no fato, muito mais importante, que eles são ungidos homens de Deus?”. 

Quando eu encontro um servo de Deus, os mais idosos e os que acabaram de sentir o chamado, algo em mim reconhece que são ungidos do Senhor. Há um coração diferente pulsando neles. E quando é que nasce o coração de pastor? Minha nora me deu uma pista. Certa vez ela observava o seu primeiro filho, quando disse: “Meu Deus, como eu posso amar tanto este pedacinho de gente?”. Ela tinha sido possuída por um espírito de amor materno. Quando teria nascido esse espírito? Quando engravidou? Quando o bebê nasceu? Ao amamentar? Eu não sou capaz de explicar isso, mas uma coisa eu sei: algo muito parecido com isso acontece no coração de quem se torna pastor. De repente, ele se descobre pastor. E será sempre um pastor. Aposenta-se do ofício, mas quem é pastor o é para sempre. 

Eu tenho que cuidar de outros pastores, tenho que ser esse anjo, essa viúva, esse Obadias. Tenho que configurar o meu ministério para apoiar pastores, e nunca para prejudicá-los. 

O tamanho de nosso desafio é percebido quando nos encontramos em turmas de mentoria. Quando reunimos um pequeno grupo de pastores em uma semana de retiro, algo curiosamente triste é constatado: cerca de 20% deles pensam em deixar o ministério. A falta de estatísticas exatas já não é preocupante? Se for confirmado que 20% do total dos pastores pensam em abandonar o ministério, estaremos falando de milhares de pastores. Não deveria isso acender todas as luzes amarelas? 

Por outro lado, a experiência de mentoria mútua revela uma oportunidade. Em todas as turmas os pastores tornam-se amigos. Isso porque nós temos um “DNA” em comum, um coração de pastor. Somos pastores e, como pássaros de penas semelhantes, o normal é andarmos juntos. Nós estamos mais próximos uns dos outros do que imaginamos e precisamos de uma estrutura que explore esta cumplicidade. 

Concretamente, a solução pode ser a multiplicação de turmas de mentoria mútua de pastores, onde somos apenas irmãos de luta. Precisamos criar uma cultura de companheirismo, de apoio e cuidado mútuos. E isso começa com a consciência de que Deus está preparando cada um de nós para oferecer uma contribuição. Deus não está permitindo que você viva tantas experiências no seu ministério apenas para ter uma aposentadoria feliz. Ele está preparando você para ser um mentor de outros pastores. A vivência adquirida no ministério não é propriamente nossa, mas para ser compartilhada. Precisamos de uma geração de pastores que sejam mentores. Observe que quando Elias foi  fortalecido pelo ministério daquele anjo, ele foi até o monte Horebe e teve um encontro com o Senhor. Elias, então, entendeu que deveria transferir suas responsabilidades de profeta a um sucessor. Deus quer nos ensinar como transferir experiências para outros pastores. É como se Deus dissesse que o nosso ministério não é concluído enquanto não soubermos compartilhar outros profetas o dom que recebemos dele.

(*) Sermão (editado para texto) pregado pelo pastor Juracy Carlos Bahia no Congresso Anual da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil – OPBB – no dia 28/06/2018. O título original foi “Pastor ajuda pastor”. 

Considerar os outros: as esplêndidas dimensões da humildade

Considerar os outros à luz da devoção

Humildade, basicamente, é importar-se com os outros. Uma dimensão mais avançada é vista no homem devocional. Erroneamente buscada, a humildade é também um campo de batalha de forças espirituais.

Ser humilde é ser honesto e agradecido com as próprias limitações e com o potencial dos outros. Aprendemos a ter mais compaixão e a considerar os interesses dos outros no convívio comunitário. Por isso, alguém concluiu que “O teste definitivo do caráter é a maneira como alguém trata quem não pode fazer nada por ele”. A humildade é sabedoria que permite enxergar melhor a realidade, obscurecida e distorcida pela vaidade.

A segunda dimensão da humildade é um dom, uma operação divina que troca o coração de uma pessoa. O Espírito Santo age neste mundo para moldar o caráter humilde. Isto explica muitas das tribulações pelas quais passam os crentes. Um seguidor do Jesus de Nazaré arrogante é uma discrepância, bem como se ele é humilde apenas como um não crente consegue ser (Mateus 5.20). Em outras palavras, somente o homem convertido pode ser humilde nos termos dos cristãos primitivos.

A terceira dimensão da humildade é a combinação das duas primeiras, e é percebida no andar com Jesus. Humildade devocional é a decisão de se alegrar com a própria vulnerabilidade para destacar o poder de Deus (João 3.30,31; 2 Coríntios 12.10), é recusar glórias que são devidas somente a Deus (atos 10.26; Apocalipse 22.9). Enquanto na primeira etapa a humildade é a consideração pelos interesses do próximo, esta inclui consideração pelos interesses do Senhor. Se a primeira é empatia, esta é a busca daquele “sentimento que havia em Cristo Jesus” (Filipenses 2.5). Se antes havia consciência da própria limitação, agora há certeza da inexistência da humildade própria e uma busca pela humildade que há em Jesus.

E, mesmo sendo um assunto de nossa rotina diária e de toda a vida, é comum mantermos visões equivocadas sobre a humildade. Muitas vezes consideramos alguém humilde apenas porque aparenta simplicidade em seu modo de vida ou um comportamento ingênuo. Repetindo, humildade é a virtude de levar os outros em consideração, de se importar com os outros, de se entender interdependente. Não somos humildes, apenas decidimos exercer um papel: “seja como uma criança”, ensinou Jesus (Mateus 18.3).

Podemos interpretar erroneamente a relação da humildade com o mundo sobrenatural. Agir como se Deus ou o diabo não existissem é um tipo de arrogância. Uma pessoa humilde também não abre mão da ajuda do alto e não desconsidera conselhos de eficácia comprovada como: “o princípio da sabedoria é o temor a Deus” (Provérbios 9.10). Os crentes também precisam estar atentos: “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (1 Pedro 5:8). Quanto maior o potencial que uma pessoa glorificar a Deus, mais ela será alvo dos sofisticados métodos daquele que deseja ser Deus. O Deus da manjedoura é sempre perseguido.

Também erramos na interpretação do que seja humildade no campo devocional. Alguém pode ser considerado um fanático porque resolve deixar seus problemas nas mãos de Deus. Outro pode confundir inércia com confiança em Deus. Dizer “Se Deus quiser” parece humildade, mas pode ser também procrastinação ou, mesmo, fatalismo. Como destacado no livro A boa parte, o esforço e a devoção são de uma mesma família. Jesus disse para termos o melhor da pomba e, também, o melhor da serpente (Mateus 10.16). O fato é que a devoção aperfeiçoa a atitude de humildade de quem crê. 

Observa-se que as dimensões da humildade se complementam. Ela é desenvolvida na convivência comunitária, é intervenção sobrenatural, e é fruto do discipulado, ou seja, do andar com Jesus.

Meditação: sabedoria, culto e purificação

Conseguimos estragar quase tudo que Deus fez para o nosso benefício, inclusive a habilidade de meditar. Por outro lado, quem usa a meditação inadequadamente, para planejar o mal, por exemplo, faz-se um inimigo da vida. Ainda podemos distorcer o uso natural da meditação, tentando excluir dela o Criador, e caminhamos para a idolatria.

Não é extraordinário que o ser humano seja uma criatura que reflete? Se não refletimos, não somos seres humanos plenos. Alguns aproveitam este dom simplesmente para deleite ou para desenvolver saúde mental. Parece que os orientais estão mais evoluídos neste ponto. Meditação é aprender, é explorar, é buscar sabedoria. Os textos de sabedoria nos ensinam a fazer cálculos, examinar bem a realidade, não precipitar nas palavras e ações e a buscar sempre aprender mais: “O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos na casa da alegria “. (Eclesiastes 7:4).  A mensagem é óbvia: na casa de luto eu medito sobre a realidade da vida e da morte, enquanto na casa de festa eu me volto para o entretenimento, cujo propósito é exatamente me fazer deixar de pensar ou me distrair. Quem medita evita muitos males: “Laço é para o homem dizer precipitadamente: É santo; e, feitos os votos, então refletir” (provérbios 20.25).

Meditação é, também, uma forma de oferecer adoração, que inclui oração e leitura bíblica (Josué 1.8). Cultuar é recapitular, relatar e cantar o que Deus é e fez por nós. O Salmo 19 merece ser lido novamente, com destaque para o verso 14: “Sejam agradáveis as palavras da minha boca e a meditação do meu coração perante a tua face, Senhor, Rocha minha e Redentor meu!”. Meditação como devocional corresponde a uma caminhada com Deus, conversando ou, mesmo, em silêncio. Não é significativo que a caminhada cristã começa com uma pergunta (profissão de fé)? Não é intrigante que o Senhor Jesus tenha feito tantas perguntas aos seus discípulos? Sim, o nosso Deus é um Deus de perguntas, um Deus que nos provoca a reflexão.

Por fim, a meditação equivale a ser transformado por Deus. É quando eu me exponho a Deus e ele opera em mim para me fazer mais parecido com Jesus. Normalmente, esta é uma experiência dolorida, como ocorre, por exemplo, no arrependimento verdadeiro. Paulo instrui os crentes: “examine-se, pois, cada um a si mesmo” (I Coríntios 11.17-34), ou seja, coloque o seu coração no banco do pensamento, converse com sua própria alma. O salmista orava dizendo: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos”. (Salmos 139:23). Não é significativo que Deus nos chame para o silêncio e, então, para o debate? (Isaías 41.1)

Em resumo, medite para relacionar-se melhor com a vida e com ou outros; medite para relacionar-se melhor com Deus e, também, medite para relacionar-se melhor com você mesmo.

Para reflexão:

1) No seu caso, qual prática é mais eficaz?

  • pedir a Deus que fale ao seu coração pela oração e Palavra
  • ficar muito tempo exposto à Palavra de Deus
  • fazer anotações durante sermões, orações e leituras bíblicas

2) Como podemos nos tornar mais sensíveis a impressões específicas de Deus?

3) Qual a relação entre o texto e  Romanos 12.2? (“E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus”)

Juracy Bahia

Leia ainda o tópico “O devocional reflete”, em A boa parte.

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A COVID da fé

A religião também tem a sua COVID. O Senhor Jesus combateu espírito farisaico como se fosse um vírus e nos alertou para termos cuidado com ele. “Por que os seus discípulos transgridem a tradição dos líderes religiosos? Pois não lavam as mãos antes de comer! ” (Mateus 15:2). As cepas da COVID da fé são altamente contagiosas e podem ser fatais:

Controle. Os fariseus não podiam aceitar que Jesus quebrasse regras de higiene transformada em regras teológicas. Ele sabia que os fariseus queriam, na verdade, é controlar a vida das pessoas. Eles se sentiam os separados, os “santinhos”. Eram fechados neles mesmos e não admitiam a cegueira que os caracterizava. Toda vez que vejo gente tentando controlar o que eu faço, acendo uma luz amarela. Sei que isso não parece com os ensinos de Jesus.

Omissão. Por outro lado, ainda mais estranho, os fariseus desobrigam seus seguidores dos compromissos para com o Senhor e para com o próximo. A Bíblia diz que temos que honrar os nossos pais, mas eles desobrigavam deste mandamento aqueles que se entregam como oferta para o trabalho de Deus (Mateus 15.5). Sim, quando me acho um especialista, sinto que tenho o poder para anular ou relativizar quando o assunto é a obediência absoluta aos mandamentos de Deus. Pode ser que a única coisa pior que transformar boas práticas em mandamentos teológicos seja questionar os verdadeiros mandamentos teológicos.

Vaidade. Se não fui contaminado por uma dessas duas cepas, dificilmente escaparei da terceira, a saber, uma  avaliação exagerada de mim mesmo. Os fariseus questionaram o Rei de toda a Terra com aquela voz rouca e arrogante: “Por que seus discípulos não obedecem à tradição dos anciãos?” (Mateus 15.2). É muito fácil eu me achar melhor que os outros porque eu não fumo, não bebo, entrego o dízimo e vou à Igreja. 

Imitação. As pessoas preparam a defesa para um vírus conhecido e ele ataca com outras características. Ele pode até parecer um agente do bem. Ele pode até andar com os discípulos enquanto trabalha para matar o Mestre (Veja o post “O espírito de Judas“). Jesus chamou os fariseus de hipócritas (Mateus 15.7), porque faziam o papel de devotos, de evangelistas, de santos. Era importante para eles que todos os vissem como apaixonados por Deus. O problema é que Jesus vê o coração. 

Desculpas. A última cepa da COVID da religião é quase imbatível. Jesus disse aos fariseus “Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira para pôr de lado os mandamentos de Deus” (Marcos 7:9). As desculpas são uma película que protege o vírus contra a ação do Espírito Santo. Afinal, se eu não tenho consciência de estar contaminado, sou assintomático, e posso andar por aí, até mesmo nas igrejas, contaminando outros. Provavelmente seja a cepa do vírus mais comum entre os que afirmam ter fé em Jesus.

Juracy Bahia

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Muitas opiniões, poucas ações

“Quem é o meu próximo?”, questionou o perito da Lei para escapar do mandamento muito prático que Jesus tinha enfatizado. Então, o Senhor contou a história de um samaritano que, diferente dos religiosos, socorreu a vítima de um assalto. Quem parece ser o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? O perito da Lei foi rápido: “Aquele que teve misericórdia dele”. Jesus fechou a conversa: “Vá e faça o mesmo”.

Imagem de Internet

Jesus era muito prático. Na verdade, muito equilibrado. Ele irá “bater” no nosso lado mais acomodado ou menos desenvolvido. Logo após este encontro com o perito da Lei, o Senhor irá repreender Marta: “Você está preocupada com muitas coisas e reflexiva de menos”. Pode ser que, para mim, entretanto, a ordem fosse diferente: “Pare de ficar apenas meditando. Levante-se e vá ajudar sua irmã”. 

Em outra ocasião, o Senhor tinha sido questionado por pessoas que queriam saber com que autoridade ele trabalhava e operava milagres.  Jesus usa como resposta o exemplo de vida de João Batista e pergunta o que eles achavam do seguinte caso: “Havia um homem que tinha dois filhos. Chegando ao primeiro, disse: ‘Filho, vá trabalhar hoje na vinha’. E este respondeu: ‘Não quero!’, mas depois mudou de idéia e foi. O pai chegou ao outro filho e disse a mesma coisa. Ele respondeu: ‘Sim, senhor!’, mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? O primeiro, responderam eles” (Mateus 21:28-31). Observe a diferença dos dois irmãos: um tinha muito “gogó”, queria ser conhecido como um bom cristão, mas estava longe disso. O outro queria manter uma pose rebelde, mas tinha um coração  fiel. E nós, o que achamos dessa história?

Se vamos refletir sobre discurso e prática, precisamos, em primeiro lugar, acabar com essa mania de querer parecer um não crente. Se o nosso coração é do Senhor, se estamos apaixonados pelo Reino, por que sustentar uma aparência diferente. Não queremos que as pessoas percebam que amamos ler a Bíblia, ofertar para missões, cantar louvores etc. Amamos uma publicação com conceitos bíblicos, mas não compartilhamos em nossas redes porque irão achar que somos cafonas. Somos aquele irmão que ama o Pai, mas não quer que as pessoas percebam isso. 

Segundo, precisamos ouvir ordens diretas do Pai e obedecer: “Vá trabalhar na minha vinha hoje”. Qual foi a última vez que ouvi o Senhor me ordenando algo bem específico? Cornélio ouviu: “Mande alguns homens a Jope para trazerem um certo Simão, também conhecido como Pedro, que está hospedado na casa de Simão, o curtidor de couro, que fica perto do mar”. Eu quero ouvir também coisas do tipo: “Acorde para orar”, “Dê um telefonema para fulano”, “Mande uma cesta de café da manhã para sicrano”, “Faça uma Live sobre o que a Bíblia representa para você”, enfim, “Vá trabalhar… em minha vinha… hoje”. Não estamos mantendo Deus a uma distância conveniente para ficarmos apenas com as ordens genéricas, evitando ter que responder às ordens específicas, ou a receber suas advertências e conselhos? Eu já aprendi que se ele me der uma ordem específica, eu terei o poder: “Eu posso caminhar sobre as águas, se o Senhor der uma ordem específica” (A boa parte, p. 265).

O espírito de Marta

Tenho um interesse muito especial naqueles três irmãos de Betânia: Marta, Maria e Lázaro. Até mesmo escrevi um livro sobre eles, chama-se “A Boa Parte” (Juracy Bahia/AAMP, 2020). Nessas últimas semanas, tenho pensado em um outro tópico, que acaba, de alguma forma, correlacionando-se com o livro “A Boa Parte”. Nesse período de eleição, temos visto alguns crentes falando e postando muitas coisas que, por vezes, nos deixam incomodados. Foi com essa motivação que escrevi um texto intitulado “O espírito de Judas” (https://aboaparte.com/?p=487). Seguindo esse mesmo raciocínio, eu volto para Marta, onde tudo começou, e percebo que existe, também, um espírito de Marta. Em termos comparativos, no caso em que vamos estudar, o espírito de Judas é, na verdade, uma ampliação do espírito de Marta. 

Há um Judas dentro de nós, que precisa “ser enforcado” todos os dias. Há um sabotador, um traidor, dentro de cada um de nós, que ama a Jesus, mas que se relaciona com o mundo, com a carne, com o diabo. Mas, antes do espírito de Judas, há o espírito de Marta, que é ainda mais comum, mais infante. O espírito de Judas é mais avançado, porque tem também corrupção (e aí, talvez, você não tenha chegado a esse ponto em sua vida), rebeldia, desejo de acreditar em um outro governo que não o de Cristo e, ainda, incorrigibilidade – a incapacidade de corrigir-se ou aceitar que Cristo possa corrigir você. Isso você não vai encontrar em Marta. Antes dessas características que vemos em Judas, encontramos em Marta outras cinco características. Nesse texto, vamos nos debruçar sobre o que é esse espírito de Marta.

Eu estou seguro de que, dentro de mim, há um espírito de Marta, que precisa ser trabalhado diariamente. Quando cantamos “Vem, Espírito, quero mais do Teu poder, enche minha vida”, estamos clamando pelo Espírito Santo, a quem nós queremos entregar todo o domínio das nossas vidas. Porém, muitas vezes, quem realmente domina a nossa rotina não é o Espírito Santo, e sim, o espírito de Marta.

Marta, porém, estava ocupada com muito serviço. E, aproximando-se dele, perguntou: “Senhor, não te importas que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço? Dize-lhe que me ajude! “

Respondeu o Senhor: “Marta! Marta! Você está preocupada e inquieta com muitas coisas;

todavia apenas uma é necessária. Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”.

(Lucas 10:40-42)

No nosso meio, é comum a gente “bater muito” em Marta. Vamos fazer isso, de certa forma, mas apenas nessas características de Marta que existem dentro de nós. Não podemos começar a fazer essas reflexões sem antes lembrar que “Jesus amava Marta” (João 11:5). Ele também ama a mim e a você, e não nos descarta quando manifestamos esse espírito. Ele continua nos amando, nos moldando e nos corrigindo. O que Jesus faz com Marta é tratá-la, corrigi-la, amadurecê-la.

Em Antioquia, os discípulos foram chamados, pela primeira vez, de cristãos, o que significa “pequenos Cristos”. Quando nos identificamos ou somos chamados de “cristãos”, quer dizer que há um pequeno Cristo dentro de nós. Mas há também um pequeno anticristo – um sabotador contra quem nós lutamos diariamente. 

Jesus estava na casa de Marta, assim como está nas nossas casas. Passando Jesus numa vila chamada Betânia, Marta o convidou para entrar em sua casa. É muito interessante notar que são mencionados os três irmãos – Marta, Maria e Lázaro – mas o texto diz que Marta convidou Jesus para a sua casa. Ou seja, a casa era dela. Isso já nos apresenta um possível conflito de domínio: quem é que manda dentro de mim? Eu sou o dono da minha própria casa?

O que vemos nesses três versículos de Lucas 10? Primeiramente, há uma certa característica de murmuração. Esse é um aspecto muito comum no nosso meio. Nós ficamos insatisfeitos com a realidade, com a rotina. Trato desse tema no livro em um tópico sobre gratidão, quando mostro que há uma disfunção em nós nesse sentido.

Há poucos dias conversava com a Cristina, minha esposa, sobre esse espírito tão comum em nós, que sempre acha que as coisas estão ruins. Falávamos sobre uma pessoa conhecida, que estava chateada com a vida, e eu disse: “Meu Deus do céu, como é que essa pessoa pode estar tão triste! Tem tantos privilégios, tantos recursos, tantas oportunidades! Mas um detalhezinho é capaz de tirá-la da graça”. Percebi, então, que também sou assim. Não sei você, mas eu, por muito pouco, saio da graça. Jesus estava na casa de Marta, era um dia de grande celebração. Você poderia imaginar um dia mais feliz do que esse? Já imaginou se Jesus, em carne e osso, estivesse na sua casa, ensinando para sua família e amigos? Mas Marta conseguiu, naquele ambiente cheio de graça, achar alguma coisa errada. Assim, ela desencoraja o ambiente, deixando de aproveitar a graça abundante no mesmo.

Quando pensamos no Antigo Testamento, lembramos de todas aquelas murmurações entre o povo de Israel. Deus ordenou que Moisés pedisse ao Faraó que libertasse o povo do Egito. Conhecemos o desenrolar da história: o Senhor endurece o coração de Faraó e a situação piora, porque os recursos para a construção de tijolos ficaram escassos, a rotina de trabalho mais difícil, então o que o povo diz? “Ah, esse Moisés… Tudo culpa dele! Agora está tudo pior! Quem foi que mandou ele inventar esta coisa de sair do Egito?”. O povo, então, murmura. Algumas poucas pessoas são suficientes para conduzir todo o povo à murmuração. Essa é uma das características do que chamamos de espírito de Marta: tirar a graça do ambiente. Falo de mim mesmo, mas você possivelmente pode se identificar também. Temos saúde, não estamos passando fome nem frio e, ainda assim, “está tudo errado”. Parece que somos versões de “Os Caça-Fantasmas”, só que “Os Caça-Defeitos”: “Ah, olha aqui, achei um defeito!”. Procuramos qualquer coisa que possa estar errada e azedamos o ambiente. Um espírito negativo, que deixa de celebrar a graça da vida. É verdade que, se por um lado, posso me abater com facilidade, por outro lado, posso dar um testemunho: sou uma pessoa agradecida. Uma das frases que mais gosto é: “Muito pouco é necessário para ser feliz”. Consigo estar satisfeito e agradecido a Deus em cada mínima situação. Você conseguirá achar motivo para louvar ao Senhor, mesmo nas pequeninas coisas, se o espírito de Marta não estiver dominando sua mente e seu coração. Deixe o Espírito Santo guiar a sua sede pela vida e encher você de gratidão. Encha-se de gratidão e peça a Deus que te torne cada vez mais grato. “Dêem graças em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus. Não apaguem o Espírito.” (1 Tessalonicenses 5:18,19). Esse é o contrário da murmuração, que diz: “em tudo encontrem um erro”.

Em segundo lugar, também há demagogia. Você pode estar se perguntando: “Demagogia? Onde, pastor?”. Fico imaginando que Marta, ao interromper Jesus, ao envolver Jesus naquele assunto, poderia estar querendo “sair bem na foto”. Essa é uma coisa que recai sobre nós com muita frequência: nós gostamos de nos justificar, de fazer com que as pessoas entendam o nosso lado, de mostrar que fazemos muito. “Estou fazendo o bastante, já dei minha contribuição! O que preciso fazer mais?”. Na igreja, podemos pensar ainda: “Chego sempre cedo, organizo os instrumentos, arrumo o som, faço parte do louvor… Não preciso de mais nada!”. Me pergunto quanto do que eu faço é para investir na minha própria imagem, em como os outros me vêem. Temos essa necessidade constante de nos justificarmos a nós mesmos. Por que não podemos fazer nosso trabalho sem buscar aprovação das pessoas? “Senhor, não te importas que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço?”. Olha só! É como se ela dissesse: “Você não vê que eu estou trabalhando mais do que todo mundo?”. Muitas dessas ações são para mostrar serviço, esforço próprio. Entendemos, segundo a Bíblia, que precisamos agradar a Deus e buscar somente a Sua aprovação. Isso é muito difícil! É muito difícil viver motivado exclusivamente para agradar a Deus. É impressionante como o vírus da necessidade de aprovação dos outros se instala dentro de nós. Como pastor, eu não tenho que pregar para agradar os membros da minha igreja. Um músico não tem que tocar e cantar no louvor para te agradar. Muitas vezes, para “ficar bem na foto”, eu acabo prejudicando o outro, colocando-me em comparação, dizendo: “Eu trabalho mais que meu irmão”. Quero me livrar disso. Quero olhar pra Jesus e, se eu conseguir agradá-lo, isso é tudo de que preciso.

Jesus fala sobre o que mais importa. Maria escolheu exatamente essa parte: ela não estava preocupada em investir em sua própria imagem. E, meu irmão leitor, minha irmã leitora, nesses tempos de Internet, é impressionante como estamos querendo curtidas, compartilhamentos, engajamentos em tudo o que postamos. Digo isso por mim mesmo: quando posto algo no Facebook, fico atualizando para ver quantos já curtiram. Ora, estudei e trabalhei durante minha vida toda, lutei muito, cuidei de pessoas, aí aparece um rapaz lá, que não fala coisa com coisa, posta uma abobrinha qualquer e ganha milhões de visualizações e curtidas. Eu posto algo interessante e recebo 18. Que infantilidade! Isso é imaturidade. Não dá para concorrer nesse campo. Eu não consigo agradar os homens, e nem devo ter essa ambição, porque não dá certo, não funciona. Essa não deve ser a minha luta. O que eu preciso é manter meus olhos fixos em Jesus e buscar agradá-lo. Como isso é fácil! Maria estava lá, sentada aos pés de Jesus, ouvindo-o, e Ele disse: “Ela me agradou. Ela escolheu a boa parte”. Agradar ao Rei dos Reis é mais fácil do que agradar aos homens. Então, não quero para mim essa luta insana de conquistar admiração de todos, só para “ficar bem na foto”. 

Encontramos, também, nesse espírito de Marta, uma disfunção crítica. O que é isso? É uma facilidade para perceber defeitos externos, alheios, e não internos, em si mesmo. O espírito de Marta acha, rápido e facilmente, o defeito no outro. Algo que tem me impressionado ultimamente é o debate político. Quando uma pessoa tem paixão por um candidato, é fácil encontrar problemas no outro. Se você está apegado a um lado, você imediatamente tende a ver o outro no erro. 

Jesus estava ensinando na sala, para os discípulos, entre os quais estava Maria, ouvindo atentamente. Marta, rapidamente, procura – e encontra! – um defeito na atitude de Maria. É ou não é o seu caso, também? A característica de encontrar defeitos é dom de Deus – afinal, foi Ele quem nos deu essa capacidade crítica, para reconhecer erros e identificar onde podemos melhorar. Então, não devemos amaldiçoar a capacidade de achar erros. O desvio, porém, acontece quando eu encontro defeitos no outro mais facilmente do que em mim mesmo. Porque, se você é uma pessoa que possui essa característica, em quem o espírito crítico funciona de maneira saudável, você vê corretamente onde existem problemas. Não há impropriedade em detectar erros. A falta dessa habilidade é que leva o povo a ser enganado. Reconhecer erros nos outros é importante também para o autocrescimento. Posso dizer para mim mesmo: “isso eu não quero fazer”, “eu não quero ser assim”, “essa característica de ‘Fulano’ não espelha Jesus, então não devo imitá-la”

O problema é quando posso ver fácil e rapidamente o erro do outro, mas não os meus próprios erros. Nesse episódio, Marta vê rapidamente o erro em Maria, mas não em sua própria atitude. Foi preciso que o Espírito de Deus, através das palavras de Jesus, trabalhasse nisso, chamando a atenção para o seu problema. “Você está preocupada e inquieta com muitas coisas”, Ele disse. “Olhe para você! Você está vendo um erro no comportamento de Maria? Olhe o seu problema. Você tem uma área em que precisa trabalhar”.

Se você perguntar para o presidente da Coreia do Norte sobre o que ele pensa a respeito do próprio país, o que você acha que ele vai responder? “Aqui na Coreia do Norte, nós vivemos no paraíso! O Ocidente é que é um verdadeiro caos”. É possível entrar em uma disfunção assim, na qual todos ao redor estão errados, apenas você está certo. Perde-se a capacidade de analisar, avaliar e julgar corretamente. 

Observe comigo: há algo em nossa natureza que tende a procurar problemas apenas nos outros, e não em nós mesmos. E quantas vezes o problema está realmente em nós? Esse é o grande problema do espírito de Marta: pensar que “o inferno são os outros” (frase do filósofo francês Jean-Paul Sartre). Já imaginou se fosse possível eliminar isso? Se conseguíssemos exercer a crítica de um modo saudável? Pode haver, também, o contrário – a pessoa que critica a si mesma de maneira exacerbada, o que pode acarretar em ansiedade, depressão, baixa autoestima e desvalorização pessoal. Isso também é doentio. Você precisa achar seus verdadeiros erros em seu próprio coração, nas suas próprias práticas, e também ser capaz de reconhecer o erro e a mentira no outro. Essa capacidade é muito importante para que haja um equilíbrio. A disfunção crítica acontece quando essa capacidade, que é um dom, está com defeito.

Materialismo é outra característica que faz parte desse espírito de Marta, quando se exalta o que é terreno e se desvaloriza o que é devocional. Eu tenho esse problema e, provavelmente, você também. Investimos mais no material do que no espiritual. Em nossa rotina, a nossa Marta interior tende a sufocar a Maria. Foi essa a base da advertência feita por Jesus naquela ocasião: não foi porque Marta estava arrumando a cozinha ou fazendo comida; Jesus não estava criticando isso. Jesus estava criticando a tentativa de Marta de prejudicar o devocional dos demais.

Já ouviu alguém dizer assim: “Ah, eu não estou tendo tempo para a igreja” ou “Estou sem tempo para ler a Bíblia e orar”? Por que toda essa falta de tempo? Será que estamos carregando demais no que é terreno, no aqui e agora, e causando prejuízo ao nosso tempo devocional? Estou chamando isso de materialismo: uma vida que é dedicada ao mundo terreno, aos interesses individuais. Nesse momento, nesse estado de espírito, o detalhe é muito importante. As pessoas brigam por causa de alguns centavos; dão mau testemunho enquanto esperam na fila do banco ou no trânsito. O espírito que domina nessas situações é terreno, que luta por coisas materiais, que disputa por mais do seu tempo. Consequentemente, o momento espiritual está sendo abafado, sufocado, inibido. Preciso voltar a pedir ao Senhor para que o Espírito Santo encha a minha vida e, então, que o devocional ocupe o seu devido lugar. O materialismo, a preocupação com as coisas terrenas, estava dominando o coração e a mente de Marta. A casa precisa ser arrumada, a comida tem que ser feita, mas a alma também precisa ser alimentada e a mente subordinada a Cristo. Esse equilíbrio precisa acontecer.

Por fim, a quinta característica desse espírito é a intolerância. É querer violar o tempo e os métodos de Deus. Não é chegar ao ponto da rebeldia, como aconteceu com Judas, mas deixar de confiar no comando, na direção e na soberania de Deus em cada coisa. É “colocar a mão na arca”, porque ela pode cair. Jesus está na sala da sua casa. Ele está no controle da sua família, da sua empresa, da sua vida. Mas você interrompe Jesus, como se dissesse: “Olha, você não está vendo tudo que está acontecendo aqui, não? Você não está controlando tudo, porque deixou a Maria ficar aí, enquanto eu estou aqui, trabalhando demais!”. E, dessa forma, você violenta a soberania da direção de Deus. Pedro corta a orelha do soldado. O que é isso? É atrevimento – ele havia entregado tudo nas mãos do Senhor, mas resolveu pegar de volta. Acontece o mesmo conosco. Sabe quando você tem um problema grave, difícil mesmo? Você decide orar e colocar nas mãos de Deus. Mas aí você mete a mão, para dar uma “ajudinha” a Deus, porque, aparentemente, Ele não está conseguindo controlar tudo direitinho, como você gostaria.

Imagine se, durante a pregação, você se levanta, interrompe o pastor e diz: “Ó pastor, você tá esquecendo disso aqui!”. Seria uma situação esquisita, não é mesmo? Marta fez isso, e não foi com o Pr. Juracy Bahia, foi com o próprio Senhor Jesus! Era ele quem estava em sua casa, ensinando. Marta não conseguiu esperar. Aqui está outro grande problema do povo de Israel, da igreja cristã, da minha vida e da sua vida: a incapacidade de esperar no tempo de Deus. Essa lição precisava ser aprendida por Marta. Algum tempo depois, o irmão de Marta e Maria, Lázaro, morre, e eles chamam Jesus para ajudá-las. Jesus foi? Claro. Foi imediatamente logo que recebeu a mensagem? Não. Naquele momento, Jesus estava trabalhando no coração de Marta e, nesse caso, também no de Maria, ensinando-as a confiar e a ter paciência. Quando Jesus finalmente volta para ressuscitar Lázaro, há um debate teológico à espera: “Disse Marta a Jesus: ‘Senhor, se estivesses aqui meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, Deus te dará tudo o que pedires’. Disse-lhe Jesus: ‘O seu irmão vai ressuscitar’. Marta respondeu: ‘Eu sei que ele vai ressuscitar na ressurreição, no último dia’”(João 11:21-24). Ela tinha certo problema com o tempo de Deus. Você se identifica com isso? O relógio de Deus não anda sincronizado conforme o nosso relógio, e nós queremos que Ele, o Senhor do tempo, adeque o seu tempo a nós. Marta interrompeu Jesus. Quantas vezes eu mesmo já fiz isso? Quantas vezes eu já “cortei a orelha do soldado”? Quantas vezes eu reclamei que Jesus está demorando?

Postar na internet tem mexido muito comigo. Tenho pedido a Deus sabedoria para lidar melhor com o tempo, porque às vezes escrevo uma frase ou um artigo, e minha tendência é querer postar imediatamente. Mas sabe o que eu aprendi? Eu pego aquela frase ou artigo que escrevi, com toda inspiração, acreditando que ficou muito bom, e guardo na gaveta. Depois, vou dormir, converso com uma ou duas pessoas, peço a opinião de um bom amigo. Sabe o que acontece? Invariavelmente, eu modifico o que escrevi. Significa que, mesmo quando eu posto depois de consultar, questionar e orar, ainda pode melhorar, mas se eu tivesse postado antes, como estava, poderia ter compartilhado algo inadequado. Mas nós vivemos com urgência. Somos rápidos para falar demais, para agir, para questionar Deus. Esse é o espírito de Marta dentro de nós. É preciso lembrar que quem está no comando é Jesus. Ele é quem governa. 

Li um livro, há uns 3 anos, que gostei muito, chamado “Como Deus se tornou Rei” (N.T. Wright, Editora Thomas Nelson Brasil), e a ideia é que Jesus está no comando de toda a Terra. Marta pensava que as coisas estavam fora de controle, mas Jesus nem sequer entrou na conversa, apenas advertiu-a de que ela estava preocupada com muitas outras coisas. “Mas uma coisa só é necessária”, diz Jesus. Ouvir a voz de Deus, discernir Sua palavra e obedecê-la. Você pode querer mudar o mundo mas, ouça: primeiro, Deus quer mudar você. 

Oração: Nosso Deus e Pai, meditamos sobre as palavras que o Senhor disse a Marta. Sabemos que o Senhor ama sua serva Marta, e igualmente nos ama, também. O Senhor trabalhou na vida de Marta para que ela se tornasse mais amadurecida, para que o amor de Sua serva crescesse e para que ela se enchesse de sabedoria. Senhor, do mesmo modo, nos colocamos diante de Ti, enquanto estamos refletindo na Tua Palavra, pedindo para que o Teu Espírito molde mais e mais a nossa mente, o nosso coração e a nossa vida. Em nome de Jesus, amém. 

Juracy Bahia

P.S.:

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Leia também “O espírito de Judas” https://aboaparte.com/?p=487 

A Imprensa e o Anticristo

“Devemos ficar muito atentos à unidade da Imprensa. O Anticristo é mensageiro com grande poder para enganar no fim dos tempos”(*).

Sobre as características do Anticristo, a Bíblia o identifica com a comunicação, especificamente com o proferir mentiras, negar Deus e enganar as massas. Relaciona ainda a uma certa hegemonia política como método para constranger e perseguir o Corpo de Cristo. No seu caminho de oposição, arrogância e ousadia, busca dos homens a atenção devida somente a Deus. A Bíblia diz que os crentes devem se importar com este tema, que ele pertence aos fins dos tempos e é um exercício de discernimento dos espirituais ((1 João 2.18-22, 2 João 1.7, 2 Tessalonicenses 2:3-10, Apocalipse 13:5-17). Ao longo da história, os servos do Senhor têm procurado identificar os anticristos em suas gerações, como orienta a Palavra. Nós devemos fazer a nossa parte, e vigiar. Ao analisar o nosso contexto histórico, incomoda-nos qualquer pessoa ou sistema com uma das características acima, muito mais uma combinação delas. Nunca tivemos meios de comunicação tão poderosos e, talvez, nunca tivemos tal hegemonia voluntária.

O que incomoda não é a imprensa como prestadora de serviços, mas sua ação como um sistema ou um poder ideológico. Algumas coisas não devem “ter um só coração” como Jesus Cristo planejou a Igreja (Atos 4.32, João 17.21). Queremos que os políticos, os debatedores, os times de futebol e os vendedores concorram entre si. Somos prejudicados quando eles se unem em consórcio ou cartéis. Quem tem vocação para a unidade ou unanimidade é a família, a Igreja e o exército, não a imprensa. 

E, nesta guerra ideológica, quero aproveitar para fazer um segundo alerta. Apesar de nossas diferenças, precisamos ter cuidado para não ajudarmos no ataque ao Corpo de Cristo. As redes sociais deram voz a uma multidão de críticos e ao fogo amigo. E ainda estamos aprendendo a lidar com isso. Eu posso até criticar a fala herética de um ou outro pastor, mas outra coisa é murmurar contra os pastores no geral, contra o ofício estabelecido por Deus (lembro-me de Miriã que, além de castigada, atrasou em uma semana a caminhada do povo do Senhor – Números 12.15). Eu posso até falar contra uma Igreja específica que “vende seus votos” a um político corrupto, mas outra coisa é falar contra, por exemplo, “os evangélicos”. Tremo quando vejo críticas desse tipo porque elas são ouvidas pelo comandante dos profetas e da Igreja. Por mais de 40 anos eu ando com pastores e com igrejas e, como uma multidão que ninguém consegue contar, eu sei quão lindos e preciosos eles são. Sinto-me muito privilegiado em fazer parte deste grupo e deste povo.

Juracy Bahia

(*) Frase publicada em minhas redes sociais no dia 10/11/22.

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Os derrotados serão os vencedores

“Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos” (Mateus 20:16 – NVI). Não me parece que este princípio seja exclusivamente para o mundo espiritual. São incontáveis as histórias de reviravoltas: a borboleta que surge da larva, os pais severos que têm filhos felizes etc. Jesus questiona nossas supostas vitórias e, ainda mais, nossas convicções de derrotas. Como destacado em A boa parte, Jesus questiona o entusiasmo dos discípulos com as belezas das pedras do Templo, mas também a injustificável tristeza de Marta e Maria com a morte do irmão-milagre.

Achamos que ganhamos quando vencemos, mas muitas vezes a vida indica o contrário. Derrotas e vitórias podem não ser exatamente o que pensamos, como lembra aquela antiga fábula, de um pai que exclamou “Como ganhar este cavalo árabe fez bem ao meu filho!”; no que o retrucou o sábio: “pode ser que sim, pode ser que não”.  

 “O coração do sábio está na casa onde há luto, mas o dos tolos, na casa da alegria” (Eclesiastes 7. 4 – NVI). Muitos estão frustrados com a eleição de um líder que não os representa, e não conseguem ver nisso a resposta de orações, nem a soberania de Deus. Quando vejo tristes aqueles que amam a Jesus e alegres os que zombam dele, eu quero olhar um pouco mais à frente, como Jesus fazia. Algo me diz que posso estar a pedir misericórdia para o grupo errado. Algo sugere que eu desvie os olhos de minha ansiedade para os motivos da  serenidade de Jesus. 

Por estas e outras experiências, quero observar mais, adquirir discernimento mais apurado, sintonizar meu coração além das paixões terrenas e aguardar novas ordens do Senhor para avançar. Enquanto muitos olham para uma Foz do Iguaçu como turistas ou apavorados pelo medo, eu quero ouvir a voz de Deus também nos movimentos das águas. Não é interessante que ele tenha planejado criar poder na queda, multiplicar vida a partir da renúncia e riqueza do desapego? Então, textos como Isaías 55 se renovam em nossos corações:

“Pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos”, declara o Senhor.

“Assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos e os meus pensamentos mais altos do que os seus pensamentos.

Assim como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam para ele sem regarem a terra e fazerem-na brotar e florescer, para ela produzir semente para o semeador e pão para o que come,

assim também ocorre com a palavra que sai da minha boca: Ela não voltará para mim vazia, mas fará o que desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei.

Vocês sairão em júbilo e serão conduzidos em paz; os montes e colinas irromperão em canto diante de vocês, e todas as árvores do campo baterão palmas.

No lugar do espinheiro crescerá o pinheiro, e em vez de roseiras bravas crescerá a murta. Isso resultará em renome para o Senhor, para sinal eterno, que não será destruído”.

Nem sempre o vencedor leva tudo. Deus não joga dados. Deus é bom. O segredo não é ganhar sempre, mas em estar do lado certo da história.

Juracy Bahia

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A onda conservadora e o isolamento do evangélico de esquerda

Uma onda conservadora parece reunir a maioria dos protestantes no Brasil, boa parte dos católicos e até pessoas sem confissão religiosa. É raro ver uma enorme massa de brasileiros unida em torno de algum ponto comum. Lembro-me da Copa de 1970, das “Diretas Já” e das corridas do Ayrton Senna. Alguns acham que foi o Bolsonaro quem criou esta onda, mas é provável que a onda tenha criado o Bolsonaro.

Alguns interpretam que esse alinhamento evangélico à direita é resultado da desinformação dos fiéis ou promovido por líderes midiáticos com interesses pessoais. Entretanto, não é verdade que os menos informados sejam alinhados à direita, nem que os evangélicos sejam menos informados que a média da população. Quanto ao jogo de interesses, os corruptos sempre acharão políticos interessados em negociar, seja qual for a ideologia política no poder. Minha suspeita é que esta onda tenha um motor mais profundo, relacionado à doutrina e ética protestantes.

Há 120 anos, Max Weber (1864-1920) escreveu A ética protestante e o espírito do capitalismo. Neste livro, Weber analisou a influência da diligência protestante na prosperidade econômica, resultado de trabalho árduo para gerar receitas e responsabilidade nos gastos. À luz desta diligência, é possível achar parte da verdadeira razão ao considerarmos os dois últimos grandes programas do Governo Federal para auxílio social, um proposto pela esquerda e outro pela direita. Diferente do Auxílio Brasil, atual programa da direita, o Bolsa Família era mais descentralizado e invasivo, visto sua interrupção quando o beneficiário conseguia um emprego, constituía uma empresa ou deixava os filhos fora da escola, algo fiscalizado pelos governos locais. O auxílio Brasil, por outro lado, não vincula a ajuda aos pais terem que concordar e levar os filhos para a escola, não delega poderes de supervisão aos governos locais e, ainda, estimula a iniciativa individual ao manter o auxílio mesmo com o início de renda própria.

Embora parte do discurso evangélico brasileiro macule o valor do esforço, ao pregar uma religião-mágica, o protestante médio defende a busca da autonomia econômica pelo esforço, ou seja, pelos méritos. Fazer o bem é algo a ser desenvolvido, aprendido e procurado. Parece que uma mudança de mentalidade está em curso no Brasil. Para a ética protestante, aceitar ajuda é quase sempre humilhante. Feliz ou infelizmente, para muitos brasileiros, ser ajudado ainda não é uma experiência de sofrimento, mas de comemoração.

Esse protestante também teme o empoderamento do Estado, especialmente nos assuntos de família e fé. Ele está disposto a sacrifícios para defender a liberdade pessoal, mesmo que isso implique em uma demora maior para a solução das emergências. O direito de cada adulto tomar decisões é inegociável. “Eu não posso decidir por você” diz um jargão da soteriologia protestante, em contraste com os “padrinhos” da soteriologia católica (Se isto vale para a salvação, deve servir também para o voto).

O paradoxo é que a ênfase protestante no poder e na liberdade do indivíduo é, talvez, a primeira responsável pela produção do pensamento de esquerda, ao garantir, e até estimular, que os indivíduos possam ser diferentes. Se a minoria precisa ser respeitada, quanto respeito ela deve demonstrar para com a maioria? E não é legítimo o medo de extinção existente na direita, que a leva a certos exageros, causado pela percepção de que onde há hegemonia da esquerda a direita deixa de existir?

A conclusão sobre o fundamento desta onda é que, embora a sua identidade esteja em formação, o protestante brasileiro identifica-se mais facilmente com a direita por achar que ela estimula o esforço pessoal e é menos intervencionista. Entendendo assim, se os protestantes simpáticos à esquerda continuarão indignados com a maioria de seus irmãos, pelo menos podem compreendê-los melhor.

A realidade deste isolamento foi ilustrada no mês que antecedeu as eleições polarizadas entre esquerda e direita no Brasil, em 2022. O presidente de uma convenção batista regional, ao dar uma palavra explícita de apoio ao candidato da esquerda num evento do partido, deixou de esclarecer que falava como indivíduo e não como representante da comunidade de fé. Isto desencadeou uma enorme pressão de outros líderes, aplacada somente com sua renúncia ao cargo. Em 2010, outro líder batista, então de peso nacional, fez uma exposição contra a esquerda. Nesse caso, o líder também recebeu críticas severas, mas foram compensadas por manifestações de apoio ainda maiores. De qualquer modo, estes exemplos confirmam ser mais difícil identificar-se com a esquerda no meio evangélico, uma vez que, imagino, as outras denominações não agiriam de modo muito diferente neste particular. Em outras palavras, se você defende a esquerda, você está com a minoria. Os dois interferiram na política, algo questionado pela doutrina de separação entre Igreja e Estado, mas o líder da esquerda o fez contra a maioria, e caiu.

Embora minoria, os protestantes que se identificam com a esquerda não podem ser desprezados, por conta do mandamento bíblico e do princípio democrático adotado pelas igrejas, notadamente as batistas.

Talvez a instrução apostólica mais difícil de ser aceita e observada seja a da harmonia: “Tende um só discurso, um só pensamento, um só julgamento” (1 Coríntios 1.10). Aceitar esta ordem já é um desafio, outra coisa é praticá-la. Se sujeitar-se, democraticamente, ao pensamento da maioria é difícil, muito mais será “ter um mesmo coração”.

O espírito da maioria deve sempre ser acatado pela minoria? E se a maioria estiver errada? Os que defendem a esquerda argumentam que o fazem por um ímpeto profético, especialmente em defesa do método de ajuda aos mais fracos. Sim, é uma questão de qual método é melhor. Toda a comunidade está unida na assistência aos pobres. A acusação de que os da direita não distribuem os lucros do capitalismo não se sustenta porque os da esquerda também não abrem mão da vida confortável que têm. O debate é, portanto, se o Estado deve ser mais ou menos intervencionista. Por outro lado, os da direita argumentam que não estão defendendo apenas métodos econômicos, mas bandeiras teológicas e princípios históricos, como proteção da vida desde o ventre e liberdade de expressão.

E quais poderiam ser os pontos de convergência? O que podem celebrar juntos? Onde cada parte precisa ceder? Primeiramente, ambos podem aceitar e exaltar o imperativo de serem unidos em Cristo. “Sede conformes” nunca foi uma sugestão e, sim, uma ordem. Isto impediria as palavras agressivas e excluidoras e faria reinar um espírito de humildade, uma vez que todos aceitam a soberania absoluta do Senhor e confiam que os céus governam a Terra. Em segundo lugar, parece que os da esquerda podem se esforçar para defender teses que são preciosas para a maioria, inclusive para eles mesmos, como a defesa da liberdade individual e da não intervenção do Estado em assuntos de família e fé. Mostrar que em valores do Reino eles são igualmente radicais seria um gesto importante. Por sua vez, os da direita que misturam Igreja com política partidária podem deixar de fazê-lo. Provavelmente, o que mais ofende e afasta, é ver um líder pastoral usando sua influência para defender um candidato. Como foi dito num vídeo que viralizou na Internet: “Saudade do tempo em que o convite da Igreja era para aceitar a Jesus”.

Por fim, o zelo e o esforço de todos atendem ao princípio de separação entre Igreja e Estado e à regra de ouro do Evangelho: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas” (Mateus 7:12)

Juracy Bahia

Escreva nos comentários:

  1. O que precisa ser modificado no texto para ser compartilhado em sua rede social?
  2. O que o Senhor requer de você neste momento político pelo qual passa o Brasil e a Igreja?

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The Spirit of Judas – Among Jesus’ Disciples and Opponents.

Versão em Português

There are people who walk the Way with us, but work with those who oppose Jesus. If linking the Church with to  political parties is sad, what about the attempt to link the Church with to an hostile ideology to the Gospel? Well, we know the result: Judas, in crisis, feels out of place with the disciples, the opponents renew their plans to pursue the values ​​of the Kingdom and the Church continues its glorious mission.

It turns out that Judas is more than a historical individual; it is a spirit, evidenced in biblical times, in the experience of every pastoral leader and in today’s democratic society. “We have Martha, Mary and Lazarus inside us, but if we look closely, we will see that there is also  Judas. Something in us seeks the good part and something kisses its friend while betraying him in the back. Our challenge is to hang the Judas within us. Perhaps, daily” (A boa parte). “Hanging” this Judas within us requires recognizing, confessing and abandoning his practices:

  1. Murmuring, fighting community cohesion.
  • “Moses shouldn’t have planned to get us out of Egypt. Yes, that’s his idea. Now it’s going to get even worse.”
  • “Those who think they are sent by God are insensitive to the precious values ​​of society.”
  1. Demagoguery, offering solutions without considering their cost.
  • “If I were the king, I would hear his cause” (Absalom to those dissatisfied with David).
  • “It is not so important if the indicators point to a high price to be paid in the future, as long as the benefit is immediate, the pain is stopped and the suffering stopped.”
  1. Backsliding, defaming the motivation or methods of altruists.
  • Judas interpreted Mary’s offer of perfume as a mistake, but he did not realize the greed ingrained in his own heart.
  • North Korea’s president says his country is a marvel and the west is chaos.
  1. Critical dysfunction, more easily perceiving the defect on the outside – hell is the other.
  • “Mary should have sold the perfume and distributed the money to the poor.”
  • “If others win but I don’t, it’s better that no one wins.”
  1. Intolerance, hasten God’s time and methods.
  • Peter cuts off a policeman’s ear.
  • “There is no time to pray and reflect and listen to advice; I have to post my opinion immediately; it doesn’t matter if that idiot will be injured”
  1. Corruption, strategically mixing with opponents of the Gospel to create points of complicity.
  • Judas sells his opponents the closeness he had with Jesus.
  • “Don’t be scared of the Church. They don’t even understand each other.”
  1. Deviation – acting boldly against the noble agreement made by the group.
  • Jesus’ followers formed a consensus for the apostles to distribute their goods, but Ananias and Sapphira agreed to withhold a portion of what they had.
  • “Most Christians in Brazil are against abortion, alcohol, homosexuality, etc., but I want to help those who fight this “discrimination”.
  1. Rebellion, to believe in a government that competes with Christ’s.
  • The antichrist uses a political-religious speech to attract the Lord’s disciples.
  • “They have no character, but they are the true defenders of the poor”.
  1. Incorrigibility, resisting change, failing to learn, inflexibility, failing to believe in the grace of starting over, failure to discern.
  • Until death, Judas’ worldview and character do not change
  • “My party has the same purposes as when it was formed”

Once we consider the “spirit of Judas”, we can react positively:

a) Accept the possibility of sin in your own heart. “William Barclay remembers the solemn words which Cromwell addressed to the uncompromising Scots: ‘I beseech thee by the tender mercies of Christ: think it possible that ye may be deceived’” (The Works of the Flesh and the Fruit of the Spirit).

b) Fight the “spirit of Judas”, but not the brother who carries it. After all, “…no one who speaks by the Spirit of God says, ‘Cursed be Jesus;’ and no one can say, ‘Jesus is Lord,’ except by the Holy Spirit” (1 Corinthians 12:3). Jesus loved Martha (Luke 10:40-42; John 11:5).

c) Take care of the community. The Judas in each of us is most stimulated in an environment where selfishness is more rewarding than altruism or passivity. If a Judas appeared in Jesus’ team, how many Judas are being formed in our teams?

d) Reinforce your vow not to mix with the world and with the flesh. It is dangerous to minimize the distinction the Bible makes between the Church and the century system. We go into the world to transform it, not to conform to it. Isn’t it striking that the Old and New Testaments end with words that highlight those who belong to God?

“And you will again see the distinction between the righteous and the wicked, between those who serve God and those who do not” (Malaquias 3:18).

“The grace of the Lord Jesus be with God’s people. Amen” (Apocalipse 22:21).

e) Invest in knowing the look and voice of Jesus. Peter and Judas were sinners, but Peter knew how to distinguish the eyes and the voice of the Lord. It is not possible to know all the fake banknotes, but we need to identify the real one. It is certain that we will err; the question is where do we end up.

Juracy Bahia